domingo, 13 de março de 2011

ESCOLHAS E RENÚNCIAS



Missa dominical, Igreja de Santa Therezinha, Santanésia. Padre Joaquim recordou-nos, com simplicidade e inteligência, que cada escolha representa também uma renúncia e que, tudo querer, é infantilidade. Se escolhemos estar aqui agora, renunciamos a estar lá. Discorreu, também, sobre sabedoria e cultura. Dizia: a cultura vem dos livros, a sabedoria, da vida. Esta é a razão de existirem tantos sábios incultos e tantas pessoas cultas, porém, sem sabedoria.
Sabedoria deriva, etimologicamente, de sabor. Sabe aquele que sente o sabor. E é aqui que eu quero chegar. Quantos de nós conhecemos a Deus apenas pelos livros, culturalmente, e quantos conhecemos a Ele porque O saboreamos? “Provai e vede quão suave é o Senhor”, diz a Palavra. Vejo tanta gente pregando um deus conceitual, feito de capítulos e versículos decorados, um deus “feito à imagem e semelhança” de quem o propõe. Invariavelmente um deus vingativo e rancoroso, um deus sectário e pouco misericordioso, um “deus” que não é “Deus”.
John Lennon, em sua música God, diz que “Deus é um conceito pelo qual medimos a nossa dor.” Deus não é um conceito, John, mas, de fato, queremos fazer Dele isso: uma idéia, um abstrato. Queremos transformar Alguém em algo e, assim, manipulá-Lo à guisa dos nossos frágeis e inconstantes nervos. Se estou triste, Deus para mim é isso; se estou alegre, Deus para mim é aquilo; se estou nessa igreja, se estou naquela...
Deus não está em “várias versões” – light ou diet - numa prateleira, à venda, conforme os impulsos de nosso consumismo sentimental. Não. Deus é Deus. O mesmo ontem, hoje e sempre.
Interessante o fato de Jesus Ressuscitado manifestar-se com as marcas do Crucificado. O que foi posto numa cruz é o mesmo que ressuscitou. Não é outra pessoa. Não dá para aceitar o Ressuscitado sem também o Crucificado e vice-versa. Cruz e Glória se fundem na pessoa do Cristo. Humanidade e Divindade.
É preciso escolher a Deus, escolher o Bem, integralmente, sem subterfúgios. E essa é a grande escolha de nossas existências.
Escolhas e renúncias. Assim é tecida a trama de nossas vidas.

Grande abraço,

Saulo Soares

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

POR QUEM DOBRAM OS SINOS?


Há uma significativa e consoladora imagem judaica sobre a morte: um navio de partida. Dizem: quando alguém morre é como se um navio desaparecesse na linha do horizonte. Não mais o vemos. No entanto, do outro lado, no Grande Porto, avistam-no e, alegres o saúdam os que antes partiram.
A linha do horizonte é a linha da visão, do que podemos enxergar. Não se trata, notem, de uma linha linha vertical, mas, horizontal, igualitária. De fato, a morte nos iguala e põe por terra as diferenças num grande abraço. A cruz também traz esse sentido: o encontro de uma linha fincada na terra e apontando para o céu na vertical e de outra, que se estende no horizonte, como braços que a todos quer enlaçar...
Uma bela e antiga homilia sobre o Sábado Santo diz que, "descendo à mansão dos mortos", Jesus procura por Adão, estende-lhe a mão e lhe diz:"...Eu sou o teu Deus...Levanta-te, pois não te criei para que fiques prisioneiro... Eu sou a Vida dos mortos". Que Deus amoroso! Fomos feitos para estarmos em pé, não curvados. Livres e para a Vida que ele nos reservou em seu Amor que ressuscita!
Gustavo Corção, em Lições de Abismo, recorda-nos a caráter inevitável da morte. Entretanto, diz ele, quando ela chega a nós ou a um dos nossos nos parece um absurdo. E por que? Porque em nós, penso – mesmo nos descrentes! - há um latente germe de eternidade a sussurrar: "Sois de Deus, sois do Eterno!"
A morte nos faz "lembrar" o que está por vir: a nossa partida. Torna-nos mais conscientes da nossa humanidade e deveria fazer de nós mais solidários e urgentes no bem. No samba "Quando eu me chamar saudade", de Nelson Cavaquinho, podemos escutar: "Sei que amanhã quando eu morrer, os meus amigos vão dizer que eu tinha um bom coração. Alguns até hão de chorar e querer me homenagear fazendo de ouro um violão... Mas depois que o tempo passar, sei que ninguém vai se lembrar que eu fui embora. Por isso é que eu penso assim: se alguém quiser fazer por mim, que faça agora!" E termina: "Me dê as flores em vida, o carinho, a mão amiga, para aliviar meus ais! Depois que eu me chamar saudade, não preciso de vaidades, quero preces e nada mais!"
Com certeza você viu partir pessoas amadas. Estão em Deus, creia! Lembro-me o que me disse um jovem, citando uma canção: "As flores de plástico não morrem..." Retruquei: "Não, as flores de plástico não vivem..." Não somos de plástico, nem descartáveis, temos valor, vivemos!
Cada um de nós é uma obra única, irrepetível, rara, de incalculável valor! É o que nos diz um trecho de "Meditações XVII", do inglês John Donne:"Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra. Se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída... a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.
Por fim, João 12,24: "Se um grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto."
Sigamos em frente! Deus está ao nosso lado!

Grande abraço,

Saulo Soares


Dedico ao Dr. Fernando Arantes Leal estas linhas. Mais do que um profissional exemplar, um ser humano formidável, um amigo do qual sentiremos muitas saudades.

sábado, 30 de outubro de 2010

DESESPERAR, JAMAIS!


Parte do meu final de semana é dedicada à leitura de jornais e revistas. Até aí, nada de mais. Contudo, faço-o de tesoura e caneta nas mãos. Tenho essa mania: recortar os artigos que penso serão interessantes ou úteis para alguém. Descobri que é hereditário. Dia desses encontrei uma pasta que pertencia ao meu pai repleta de recortes. Frases sublinhadas, setas, exclamações, adendos, tudo com sua inconfundível letra triangular.
         Li, pois, nesta faina semanal, com tristeza, a seguinte afirmação: “A esperança não transforma o mundo. Não transforma sua vida. Sem querer ofender ninguém: a esperança se tornou obsoleta”. Recortei, como de costume, porém... não tinha para quem entregar. Fiquei por um bom (?) tempo a matutar. E aqui abro um parêntesis sobre o tempo: “Pequena é a parte da vida que vivemos. Pois todo restante não é vida, mas somente tempo.”, diz Sêneca...
         Ora, penso que a amarga autora confundiu o sentido que nós, os que esperamos, damos à Esperança. Mas ainda: os que acreditamos ser ela – a Esperança – uma Virtude.
      De fato, a Esperança não é inoperante ou ineficaz. Lembro-me, por exemplo, da experiência do Professor Victor Frankl, que nos afirmou que, nos Campos de Concentração, os que “esperavam” eram os que sobreviviam. Ele esperou... Creio que o correto seria atribuir à teimosia a obsolescência e ineficiência. Se me permite o leitor, citarei uma frase – desconheço o autor – mas que por certo virá esclarecer-nos um pouco mais: “A teimosia é uma degeneração da perseverança”. Ora, a teimosia, sim, é a insistência no erro, enquanto perseverança é persistir no que é justo, correto e bom.
         E há entre a perseverança e a esperança muito mais do que uma simples rima: há um tempo vivido, de uma forma especial vivido, vivido com fé.
      O que eu quero dizer com isso tudo é que já nos tiraram tantas coisas e nos impuseram tantas outras mais, sem sequer nos perguntar se estávamos de acordo ou não! Agora querem nos roubar a Esperança?!
         Guardei o recorte que fala da “morte” da Esperança (já que popularmente ela é a última que morre!) e prometi-me não entregá-lo a ninguém. Talvez o queime em alguma fogueira de São João...
         Mas, continuo com a mesma mania: jornais, revistas, canetas e tesouras. E esta me levou a outro pequeno texto, este atribuído a Mario de Andrade: “...O essencial faz a vida valer à pena. E para mim, basta o essencial!” E, para mim, Mário, a Esperança é essencial. É a essência dos sonhos e, os sonhos a poesia da vida e, a vida, meu amigo, um milagre cotidiano repleto de... Esperança.

Grande abraço,


Saulo Soares

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A COMIDA DOS PORCOS


Hipertensão, na Globo. Prova: uma jovem, com a cabeça dentro de uma caixinha transparente repleta de ratos, cobras e sapos, grita desesperadamente enquanto é girada de lá pra cá. Outros três jovens: diante deles e, à escolha como cardápio, minhocas, baratas ou sei lá mais o quê. Comem e vomitam. E tudo isso para salvar uma vida, ou como castigo ou tortura por se terem colocado contra algum regime ditatorial? Ou, ainda, por uma causa ambiental, social, política ou econômica? Uma revolta contra alguma injustiça? Não. Por dinheiro e fama. Ou, caso desejem, tratemos pelos nomes próprios desses dois: Avareza e Vaidade. É o “Topa Tudo por Dinheiro” na sua versão mais sarcástica e desumana. E o pior de tudo: ao invés de serem considerados dignos de pena por se prestarem (e prostrarem) a tais coisas por dinheiro, são tidos como uma espécie de heróis! Isso mesmo! E a que desistiu, não comeu o prato nojento, é, com certeza, alcunhada de perdedora e covarde. Big Brother, Hipertensão, tudo isso: o Capital rindo na nossa cara, cuspindo na nossa dignidade, escarrando na nossa alma.
Quanto mais a sociedade se afasta de Deus, que é o Absoluto, mais ela relativiza suas atitudes, seus comportamentos. Não crer em Deus, na prática, é não acreditar que somos feitos à Sua imagem e semelhança. É, portanto, perder ou recusar a dignidade de “filhos” de Deus. E, crer em Cristo, significa crer que nossa dignidade, nosso valor é tamanho que custou o sangue D’Ele, o Filho – com “F” maiúsculo – de Deus. Afinal, somos “filhos” no “Filho”. Ou seja, não há nada que valorize tanto o Homem, quanto a fé. A partir desta ótica, conscientes de nossa dignidade e filiação divina, entendemos o outro como irmão, filho do mesmo Pai, do Pai Nosso. Concebemos o ser humano e, em especial os mais frágeis – como os bebês – não como um “amontoado de células”, mas como nossos irmãos pequeninos e mais pobres. Esta, também é, de fato, além de uma opção pela Vida, uma “opção preferencial pelos pobres”.
É conhecida a passagem bíblica do Filho Pródigo que pede sua herança e, requerer a herança é, de certa forma, declarar morto o pai – pois herança se reparte após a morte – e sai pelo mundo, gasta tudo, até comer a “comida dos porcos”.
Nossa sociedade, sob certo aspecto, assemelha-se a esse filho em sua prodigalidade. Gastou, declarou Deus como morto, consumiu o valor recebido do Pai, a dignidade que Dele recebeu e alimenta-se da comida dos porcos, ou o que é mais triste, serve de espetáculo, comendo e vomitando via satélite minhocas, baratas, vermes... em troca de dinheiro.

Grande abraço,

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O HUMANO DESCARTÁVEL



O disco de vinil está de volta! Li, na coluna do Veríssimo que descobriram que as gravações em vinil eram superiores às digitais, em matéria de fidelidade sonora, em relação à reprodução dos harmônicos (???). Li, também, que a câmera digital não possui a qualidade do filme fotográfico, no que se refere à resolução e qualidade de imagens. Somente quando as digitais atingirem os 20 megapixels se igualarão às convencionais, dizem.
Mas porque digo isso? Às vezes, engolidos pela onda veloz da modernidade e do avanço tecnológico, pelos apelos do Marketing (exímio conhecedor da concupiscência humana) e pela sede voraz do Capital, descartamos o que ainda de bom e proveitoso há. Vivemos na era do descartável.
Mas quero ir adiante. O programa Café Filosófico, da TV Cultura, trouxe como tema “A volta do sagrado: superando a crise” – com a participação, dentre outros, do Rabino Nilton Bonder e do jornalista Eugenio Bucci. O Rabino trata do seu livro “A alma imoral”. De suas palavras – além da interessante “inversão” dos conceitos de corpo e alma - guardei a afirmação de que os judeus, espalhados pelo mundo, para se manterem coesos – como no espaço era impossível pela dispersão – utilizaram-se do tempo. Disse ele: ...”quando as três primeiras estrelas surgiam no céu, anunciando a chegada Sábado, os judeus, pelo mundo afora, uniam-se." Não tinham o espaço em comum, mas tinham o tempo. Tinham a alma.
O jornalista Eugenio Bucci falou sobre o “Humano descartável”. Começou pelo filme Matrix – ficção onde o ser humano serve como de fonte de energia para as máquinas – passou por Darwin e o Evolucionismo (destacando que a Teoria da Evolução seria uma justificativa para os moldes do Mercado Capitalista “`Predador”), por Richard Dawkins e a evolução do gene (seríamos apenas meios de transporte para os tais genes que, comandariam a “verdadeira” evolução e que, por fim, chegando onde pretendem, descartariam o humano) até a perpetuação do Capital e o fim do homem como hoje se entende. Complicado, não?
Pois é. Mas, de fato, cabe-nos uma pergunta: quanto o humano, hoje em dia, é descartável? Quanto descartamos da humanidade nos relacionamentos e nos valemos da virtualidade, da impessoalidade? Diferentemente dos judeus na Diáspora, perdemos o espaço e o tempo. A corporeidade e a alma. Não percebemos que, no descarte do “outro”, descartamos a nós mesmos, descartamos o “homem”. Não creio que a isso possa se chamar de “evolução”.
Se a Revolução Industrial tirou parte do trabalho dos músculos e o transferiu para as máquinas, a nova sociedade do conhecimento pretender fazer o mesmo com o labor do cérebro. Se o resultado disso fosse uma sociedade mais justa... Mas, não. Mais adiante – com corpo e mente “mecanizados” – o que mais será? As emoções? Os sentimentos? A alma?
Precisamos redescobrir nossa humanidade. Não somos “periféricos” de um “sistema”, “acessórios” de um “principal”. Somos homens e – literalmente – graças à Deus o somos!

Grande abraço,

domingo, 18 de julho de 2010

A CALMA


Perdemos a calma. E com ela – permita-me – a alma tranqüila. É de Renato Teixeira o belo verso: “A calma é irmã do simples e o simples resolve tudo.” Tem também aquela outra – diga-se de passagem - maravilhosa: “Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais.”
Nesses nossos tempos de fast-food, de velocidade e pressa, os dias passam, os meses passam e nós... passamos. Este ritmo acelerado demais não nos permite viver com intensidade, apenas com superficialidade. Não há mais tempo para a subjetividade, somente para a objetividade. E com tudo isso nossos valores foram mudando, nossos relacionamentos, nossas expectativas, nossa forma de ver o mundo.
É como numa viagem de trem. Se fixarmos os olhos num ponto próximo a nós, tudo passa tão ligeiro que não conseguimos distinguir a paisagem. Mas se colocarmos nosso olhar mais adiante, num horizonte mais amplo, a imagem se fixa e daí podemos enxergar mais claramente.
Quando se vive numa velocidade e ritmos tais, qualquer erro, ou desvio na rota, pode ser fatal para o desfecho final. À grandes velocidades pequenos movimentos fazem enorme diferença.
Estou para escrever sobre este assunto há tempos. Mas urgência dos dias me impediu. Não que eu considere que tudo deva ser moroso, não. Aquilo que, de alguma forma, possa facilitar a vida do homem, sem que traga más conseqüências maiores do que os seus benefícios, é válido. Falo aqui do que realmente importa. Li outro dia uma frase que achei interessante: “A vida exige mais compreensão do que conhecimento.” É disso que falo.
Sêneca me pareceu ter essa compreensão. Uma de suas frases de “Da vida feliz” (De vita beata) diz o seguinte: “Realmente não é fácil atingir a felicidade, porque, se alguém desviado do caminho se precipita para alcançá-la, fica sempre mais afastado da felicidade. Correndo em sentido contrário, a nossa própria pressa torna-se a causa de um contínuo distanciamento.”
O amor exige calma e paciência. A vida é para ser saboreada, contemplada. E não engolida.


Grande abraço,

GRANDE ENCONTRO DE SARAMAGO


Confesso que não gostava muito de Saramago. Achava-o arrogante. Não falo de seu estilo literário. Não li Saramago. Não o fiz por pura antipatia à sua pessoa. Dele apenas vi o filme inspirado em seu livro “Ensaio sobre a cegueira”, dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles. Muito bom. Poderia até ter me animado a lê-lo, mas não.
Bom, ele morreu. Sabemos que ele se dizia ateu. Porém, não havia lido também esta frase atribuída a ele: “Não sou um ateu total. Todos os dias procuro encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não encontro.” O que traz essa frase de diferente e animador: o “infelizmente”. Dizer “infelizmente” denota que gostaríamos que houvesse um outro desfecho que não esse. Entristecer-se por não encontrar um sinal de Deus, demonstra o real desejo de encontrá-lo. Santo Agostinho também tem uma frase: “Nada estará perdido enquanto estivermos em busca.” Isso vale para Saramago e sua busca diária.
Fui adiante na leitura das frases do autor e deparei-me com algumas bastantes interessantes. Refletem um pouco quem era Saramago, quem era “o homem atrás daqueles óculos”. Eis aqui algumas delas:

“Cada dia traz sua alegria e sua pena, e também sua lição proveitosa.”

O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas."

“Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos.”

“Há situações na vida em que já tanto nos dá perder por dez como perder por cem, o que queremos é conhecer rapidamente a última soma do desastre, para depois, se tal for possível, não voltarmos a pensar mais no assunto.”

“Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia a mais.”

Há uns dias atrás foi o último para Saramago aqui conosco. Mas talvez tenha sido também o primeiro, novo e diferente dia que para ele nasceu. Talvez a sua busca tenha encontrado um fim, o seu cansaço, um descanso; e suas dúvidas, respostas. Talvez tenha chegado para ele a hora da descoberta que sabia muito mais do que julgava.

Grande abraço,

O CEGO DE JERICÓ E IVETE SANGALO




Viajar de ônibus tem – como quase tudo na vida – vantagens e desvantagens. Uma das vantagens (que pode não ser para alguns) é justamente o convívio com o inesperado e inusitado passageiro comum.
Barra do Piraí – Santanésia é um trecho rápido. Demora-se mais esperando o ônibus no ponto - e como! - do que efetivamente no trajeto. Duas senhoras evangélicas conversavam sobre a Ivete Sangalo: Você viu – disse uma – a Ivete incorporando espírito em pleno palco? Não?! Coloca lá no youtube: Ivete endemoninhada e você vai ver. Pensei cá comigo: Tempos atrás quem poderia imaginar um diálogo desses? E começaram a falar sobre o Apocalipse, chips implantados, catástrofes. Enfim, o mundo tinha acabado antes mesmo de chegarmos ao fim da viagem. Mas, isso foi na ida.
Na volta um cego entra no ônibus juntamente com sua acompanhante e começa um discurso eloqüente, capaz de deixar corado muito orador de carteirinha: “Uma excelente boa tarde, senhoras e senhores! Permita-me uma pequena interrupção nesta breve viagem...”. E assim foi - enquanto a acompanhante distribuía uns cartõezinhos xerocados - o seu discurso pedindo auxílio evocando as dificuldades da sua situação. De repente – como diria o Poetinha – não mais que de repente, saca de dentro de sua roupa uma... latinha de Pomarola segura por um fio amarrado por pequenos nós em furinhos nas laterais. Tudo cronometrado. Moedas tilintaram. Lá se foram as minhas também.
Logo correlacionei aquele cego do ônibus com o bíblico de Jericó. “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Que queres que eu te faça?", perguntou o Senhor. Ora, alguns podem argumentar criticando obviedade: “Que pergunta?! É claro que o cego quer ver!” Será? Não creio que o Senhor tenha sido bobo ou, como querem alguns, cômico ao fazer esta pergunta. De fato, muitas vezes, nos agarramos às nossas limitações, às nossas “cegueiras” e fazemos delas uma forma de obtermos um certo carinho, uma especial atenção. Por isso, procede, sim, perguntar: Queres, de fato, ver? Ou preferes a escuridão, agarrado às suas muletas e apoios?
Conta-se que um mineirinho, no tempo dos réis, todos os dias passava por uma venda e, lá os bebedores colocavam diversas moedas na mesa. A menor tinha maior valor e a maior, menor valor. Chamavam o mineirinho e pediam para ele escolher. Ele sempre escolhia a maior (de menor valor). E todos riam aos baldes. Um dia, um cidadão virou-se para o mineirinho e disse: “Você não sabe que a moeda menor tem maior valor? Por que não a escolhe?” Ele respondeu: “Sei, sim, senhor. Mas, no dia em que eu escolhê-la, acaba a brincadeira e eu perco esse dinheirinho todos os dias.” Simples.
Temos que ter caridade. Sem dúvida! Temos também que lutar para que todos tenham dignidade. Emprego, educação, oportunidades, abrem os olhos da mente... e do coração.

Grande abraço,

segunda-feira, 7 de junho de 2010

POSE DE BANDIDO


Conversando sobre as drogas, em especial o que se ouve dizer sobre elas em Piraí (em todo Piraí), retomo aqui algumas reflexões – algumas já publicadas - sobre o assunto: drogas, educação, religião e seus entrelaces.
Em artigo publicado na Revista de Domingo, de O Globo, intitulado “Pose de bandido”, Martha Medeiros chama nossa atenção sobre a atração que a “estética das gangues” exerce sobre a juventude, de um modo geral. Diz ela: “Temos sido vítimas não apenas de marginais profissionais, com Phd em maldade, mas também de garotos mimados que aceleram seus carrões sem medir conseqüências, que tomam decisões estúpidas por pura falta de orientação, que se metem em encrencas pesadas porque, se saltarem fora, temem ser considerados fracos, babacas. Não percebem que não há babaquice maior que fazer pose de bandido. [...] Ninguém mais quer ser da turma dos mocinhos. Por quê? O pessoal do bem anda precisando de uma boa assessoria de marketing.” Eu incluiria no texto: “filhinhos de papai” que espancam domésticas em pontos de ônibus, queimam índios e tantas tristezas mais ...
Como estamos criando nossos filhos? Para uma pose de mocinho ou de bandido? Para um belo quadro na parede ou para uma triste manchete de jornal?
Rafael Cifuentes – no caderno “Grandeza de coração”, da Ed. Quadrante – transcreve a seguinte carta de um delinqüente juvenil alemão aos seus pais e a todos os pais. Inclusive nós, pais Piraienses. Diz o seguinte: Porque vocês são fracos no bem, deram-nos o nome de fortes no mal... Com seu “não” vacilante, disseram-nos “sim”, a fim de pouparem seus frágeis nervos. E a isso deram nome de “amor”. Porque são fracos, compraram de nós o seu sossego. Quando éramos pequenos, davam-nos dinheiro para irmos ao cinema ou comprarmos sorvete. Com isso, estavam prestando um serviço, não a nós, mas à sua própria comodidade, porque são fracos. Fracos no amor, fracos na paciência, fracos na esperança, fracos na fé. Estaríamos dispostos a crer em Deus, no Deus infinitamente bom e forte, que tudo compreendesse e de nós esperasse que fôssemos bons, mas você não nos mostraram um só homem que fosse bom por crer em Deus... Em vez de nos ameaçarem com bastões de borracha, coloquem-nos frente a frente com homens de verdade, que acreditem em Deus e que nos mostrem o caminho certo... Porque vocês são fracos no bem, nós somos fortes no mal.”
Não dá para se colocar todo o peso desta cruz somente sobre os ombros dos pais. Mas parte, sim. Sei que é difícil e que muitas coisas fogem ao nosso controle e atenção. Há também, obviamente, a parcela da sociedade, do Estado, do restante do “pessoal do bem”, etc.
Todo pecado é uma busca desordenada pela felicidade, não é mesmo? O filósofo Kierkegaard diz que o indispensável é o Absoluto. Talvez estejamos preocupados em fornecer aos nossos filhos bens e benefícios importantes, mas relativos, não absolutos. O Bem, e tudo o que dele decorre, este sim é o indispensável Absoluto.


Grande abraço,

quarta-feira, 19 de maio de 2010

FUSCA NÃO ANDA, DESFILA.


Essa era a frase em adesivo no vidro traseiro de um simpático fusquinha à minha frente. Conta o Senador Cristovam Buarque que, sob um calor de “derreter Catedral”: " [...]há alguns anos, em um sinal de trânsito, às duas da tarde, em Manaus, o motorista mostrou-me o fusquinha ao lado e disse: “Ele fecha os vidros para dar a aparência que seu carro tem ar-condicionado. Na hora percebi que aquele era um retrato do Brasil. Não importava sentir calor, mas sim aparentar ter ar-condicionado.”


E arremata: “[...] aprendemos a esconder a as aparências do que não interessa ver. Felizmente, descobrimos a podridão na superfície da política, que aparece graças às denúncias da mídia, mas não vemos a ferrugem na engrenagem da sociedade inteira, porque nem a mídia, nem todos nós queremos ver. Somos um povo não só de aparências, mas de aparências escolhidas.”


Quanto de balela há no marketing político? Em tantas alardeadas “realizações”? Quanto de aparência? Quanto de tudo isso, como diz Caetano, não é “proveito, é pura fama” ou é somente para inglês ver? Recentemente acompanhamos a briga pelos royalties do petróleo. O Senador Buarque fez, também, com justiça, uma defesa do Rio. Concordo plenamente com os direitos exigidos por nosso Estado. Porém, ele dá início a uma reflexão muito interessante: argumenta que “mesmo após décadas recebendo royalties, a quase totalidade dessas cidades têm IDH – Índice de Desenvolvimento Humano - entre o 745º e o 4178º no ranking nacional. Isso porque parte desses recursos é usada em gastos correntes, não em investimentos em longo prazo.” E, faz um alerta: “E quando o petróleo acabar, ou quando o preço despencar por força da crise ecológica ou do uso de fontes renováveis de energia? Cita, também, a “maldição do petróleo” que atingiu países que consomem suas reservas e gastam seus recursos visando somente o presente. Imediatistas como o personagem da parábola do filho pródigo.


Ora, não basta ter o recurso. Não obstante existam leis que determinem sua utilização, é preciso administrá-lo e aplicá-lo corretamente ou corremos o risco de andarmos na sauna de um fusquinha de vidros fechados mas aparentar estar sob o frescor do ar-condicionado. Ou, ainda, o que é pior, continuaremos a ver despencar Morros do Bumba por aí, tanto pela falta de investimento, quanto como fruto de uma política anã que incentiva a troca de votos por milheiros de tijolos e sacos de cimento, bem como a cessão de espaços e vista grossa para construções em área de risco.


Na coluna do Góis, no O GLOBO, há época do calor das discussões sobre o pré-sal, saiu a seguinte nota: “Sermão outro dia do padre Marcos Belisário, da Igreja dos Santos Anjos, no Leblon:


- Alguém sabe por onde anda o dinheiro dos royalties do Rio? Pelo menos, a Emenda Ibsen serviu para levantar esta lebre. Onde foram aplicados estes R$ 7 bilhões anuais?


É. Faz sentido.


terça-feira, 27 de abril de 2010

AOS PÉS DA MINHA ÁFRICA


Uma das mais influentes personalidades americanas é negra e mulher. Oprah Winfrey. Apresentadora de um programa de TV assistido em quase todo mundo, é dona de uma inteligência e sagacidade incomuns. Tive a oportunidade de assisti-la conduzindo uma entrevista com Mike Tyson. Ela tem a capacidade de fazer as perguntas mais “incômodas” de uma forma, diríamos, “confortável” para o entrevistado. Recentemente recebeu a atriz Kristie Alley. Kristie ganhou peso de forma excessiva e sua batalha pelo emagrecimento transformou-se num reality show exibido em rede nacional. Ela revelou que o que a inspira a lutar é o poema Invictus, de autoria do inglês William E. Henley, que, conforme afirmou, manteve de pé Mandela nos seus longos 27 anos de prisão. E, juntas, Oprah e Kristie, recitaram de cor os versos finais: [...] Por ser estreita a senda – eu não declino/ Nem por pesada a mão que o mundo espalma; / Eu sou o dono e senhor do meu destino;/ Eu sou o comandante de minha alma.”
Mandela, de fato, é um grande homem. Um dos maiores que a nossa geração teve a oportunidade de conhecer. Após sofrer e ver seu povo sofrer tantas injustiças e violências, não se deixou levar pelo ódio e pela vingança. Ao contrário, uma das primeiras medidas do seu governo foi a Comissão Verdade e Reconciliação. Um tribunal moral, sem possibilidades de punição, onde testemunhos de diversas pessoas, de lados opostos, contribuíram para o nascimento de uma nova nação, onde a força da verdade se fez libertação, como no verso bíblico: “... e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!”
Tudo isso me fez lembrar outro poema, Aos pés da minha África, de Léopold S. Senghor. Diz o seguinte:

Aos pés da minha África,
Crucificada há quatrocentos anos,
Mas que ainda respira,
Deixa-me dizer-Te, Senhor,
A sua prece de paz e perdão.
Senhor Deus, perdoa a Europa branca!
Porque é preciso exatamente que Tu perdoes
Àqueles que caçaram meus filhos
Como a elefantes selvagens.
Porque é preciso exatamente que Tu esqueças
Aqueles que exportaram dez milhões de filhos
Nos leprosários de seus navios,
Que eliminaram duzentos milhões deles.
Senhor, o gelo de meus olhos se dissolve,
E eis que a serpente do ódio
Ergue a cabeça em meu coração,
Aquela serpente que eu julgava morta.
Mata-a, Senhor,
Porque eu devo prosseguir o meu caminho.



Somos todos irmãos, filhos de um mesmo Pai, de uma única raça: a raça humana.


Grande abraço,

terça-feira, 13 de abril de 2010

VINDE, BENDITOS DE MEU PAI!


Meu pai nasceu muito pobre. Foi adotado por um casal que, além dele, cuidou de mais 16 crianças carentes. Ele contava histórias da bondade dos meus avós para com todos, inclusive com os animais. Meu avô, Lao Monteiro de Carvalho, aposentava seus animais em gratidão aos serviços prestados. Belo exemplo!
Transcrevo, emocionado, a carta de meu pai aos seus, por ocasião da Páscoa de 1955, publicada no O NORTE FLUMINENSE, de Bom Jesus do Itabapoana.

“Mariana, Páscoa de 1955 – Queridos Papai e Mamãe – Salve Cristo Ressuscitado!

Não poderia eu permitir passasse esta festa cristã, tão significativa para nós, sem externar ao senhor e à mamãe os meus votos de santa e feliz Páscoa. A Páscoa é geralmente tomada como uma lembrança viva das vitórias de Cristo sobre as forças infernais. E deste pensamento surgem inúmeras conclusões que mexem profundamente com todo o nosso ser, com nossos sentimentos todos. Cristo venceu. Cristo ressuscitou.
Sua vitória, porém, não foi fácil. Antes, exigiu os mais ingentes sacrifícios, a mais imunda e negra das ingratidões, padecimentos tais, que tiveram fim numa cruz erguida entre vaias e apupos. Só a figura de Judas, indecisa e traidora, é suficiente para enegrecer todo este quadro, já por si mesmo tão escuro e repugnante. É bom notar que a vitória de Cristo não é uma vitória somente sua, mas também nossa. Foi por nós que Ele se entregou, morreu e ressurgiu (Rom V – 9; IV-25).
É justo, pois, que repetidas vezes a Igreja jubilosa convide seus filhos à verdadeira alegria. Já temos de novo permissão para entrar no Paraíso e gozar de Deus eternamente. Mas se Cristo com seu sangue nos abriu a porta do céu, Ele quer que caminhemos até lá, que cumpramos em nós, como diz S. Paulo, o que faltou à sua paixão (Col. I-24). E à paixão de Cristo faltou apenas a colaboração nossa: a Fé, a Esperança e a Caridade. Crer, confiar e observar os mandamentos. E destas virtudes a maior é a caridade. Se, porém, ela sozinha não supre as condições anteriores, coopera eficazmente para sua consecução. A caridade ocupa as passagens mais vivas, humanas e divinas da Bíblia. O amor ao próximo será a moeda com que um dia Cristo reconhecerá em nós filhos adotivos de Deus, irmãos e co-herdeiros seus: “Vinde benditos de meu Pai...pois tive fome e me destes de comer, estava sedento e me destes de beber, estava nu e me vestistes, doente e me visitastes.” E ante nossa admiração e desconcerto, Ele confirmará suas palavras: “Em verdade vos digo que todas as vezes que fizestes isso ao menor de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mat. XXVI-34-41). É aqui, meus pais, que eu queria chegar. Não podia desejar-lhes uma feliz Páscoa sem antes demonstrar que de tal são merecedores. “Sempre que o fizeste isto ao menor dos meus irmãos foi a mim que o fizestes.” Muitas vezes Cristo foi alimentado, vestido, tratado com bondade e carinho neste lar onde a providência divina me colocou. Mais de dezesseis pobrezinhos que sofriam, talvez fome e frio, foram pelo senhor e pela mamãe acolhidos e amparados. Jesus, que é fiel em suas promessas, há de conceder os meios para que um dia consigam a felicidade eterna. E então, ao ouvirem as consoladoras palavras – “Vinde, benditos de meu Pai” – verão realizados os votos de feliz e santa Páscoa, que agora lhes desejo de todo o coração.
O filho sempre grato. CYRO MONTEIRO.”

domingo, 28 de março de 2010

VERMEBILE E FITAFUSO


            Há algum tempo ouvi – da interpretação conjunta dos textos bíblicos “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança e “Amai o próximo como a ti mesmo” - a seguinte conclusão: “Deus nos fez  semelhantes a Ele e, próximos uns dos outros.
            Antonio Carlos Santini escreveu interessante artigo intitulado “Admirar o próximo” – Jornal O Lutador – 1º a 10 de janeiro 2010 – onde faz-nos perceber o quanto é difícil valorizar o irmão que está ao nosso lado, o “próximo mais próximo”. Preferimos admirar o “próximo mais longe”. Ele diz que: “Exatamente por serem distantes, só vemos a aura luminosa que a propaganda nos transmite ao seu respeito. Mesmo quando se revestem de graves fragilidades [...] fechamos os olhos para os seus vícios e defeitos para simplesmente, ad-mirar... Já o nosso próximo... Pobre do nosso próximo.”.
            “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, de C.S. Lewis, da Editora Martins Fontes. O autor imagina as missivas expedidas por um diabo adulto, Fitafuso, a seu sobrinho, Vermebile, ainda um aprendiz na “arte” de tentar e desviar o homem do “Inimigo”. Entenda-se, aqui e onde quer que seja, Deus, por inimigo dos demônios.
            Fitafuso vê o homem como seu “paciente” – como se a bondade, o amor e a fé fossem terríveis doenças a serem curadas – e, também, o “humano” como um ser composto de círculos concêntricos.
            Pois bem. Para corroborar o que disse Santini e reafirmar que Deus nos fez próximos para, sim,  podermos nos amar e nos ajudar, transcrevo abaixo a técnica diabólica ensinada por Fitafuso – o tio diabo - ao inexperiente e atrapalhado Vermebile, para afastar-nos do que realmente interessa:

“O que quer que você faça, sempre haverá alguma benevolência, assim como alguma animosidade, na alma do seu paciente. O melhor a fazer é voltar a animosidade para os semelhantes mais próximos, aqueles que ele encontra todos os dias, e voltar a benevolência para um círculo mais distante, para as pessoas que ele não conhece. Desse modo, a animosidade torna-se completamente real e a benevolência, em grande medida, imaginária. Não há nenhuma vantagem em inflamar o ódio que ele sente pelos alemães se ao mesmo tempo o pernicioso hábito da caridade cresce entre ele e a mãe, o chefe ou o homem que ele encontra no trem. Imagine seu homem como uma série de círculos concêntricos, sendo que o central é a sua vontade, o seguinte o seu intelecto e o exterior a sua fantasia. Não adianta alimentar a esperança de eliminar de todos os círculos tudo aquilo que lembre remotamente o Inimigo (Deus), mas você deve continuar jogando para cada vez mais longe do centro todas as virtudes, até que finalmente fiquem localizadas no círculo da fantasia, e todas as características desejáveis fiquem no círculo da Vontade. Somente quando alcançam a Vontade, e lá se materializam como hábitos, é que as virtudes são fatais para nós.”

            Quem diria, hein?! Não, amigo leitor, o Inferno não é passar a eternidade procurando uma vaga para estacionar no Centro; ou tentando abrir saquinhos plásticos de supermercados. Não. E, não somente com rabos e chifres deveriam ser representados os demônios. Caberia acrescentar um belo terno italiano, sapatos alemães, charuto cubano à boca, óculos pince-nez e, ao fundo, diplomas de graduação, pós-graduação, Mestrado e Doutorado em comportamento humano.
Grande abraço,


Saulo Soares.

MAIO


Não sei se por vaidade,
À beira daquela estrada,
Nasce nestes dias,
Um capim em tom grená.

Que na velocidade,
A paisagem oscilada
É feito uma miragem (pincelada)
Num deserto que não há!

Meados do mês de maio,
Na bela estrada, quem me dera ter você...
Ter assim: como um desmaio de primavera
Num outono que não se vê!

IRMÃOSDADAS



Irmãosdadas sonhamos,
Quisera irmãosdadas iremos,
Tão dados que nem saberemos
Distinguir a minha da sua mão.


Feito Irmão Sol, Irmã Lua, Irmã Luz,
Banhados no mesmo sangue,
Alegres no mesmo peito, pregados à mesma Cruz.

Irmãosdadas seguiremos,
Vez em quando distantes,
Vez em sempre amantes de um mesmo amor infindo.
Filhos de um mesmo ventre,
Flor, fruto, semente,
Rima, imã, irmã.

Irmãosdadas te amo,
Unidos feito siameses.
E, de tanto amor assim sentindo,
Como os dias, bebo os anos,
Respiro os meses.

terça-feira, 16 de março de 2010

A INVISIBILIDADE DO ÓBVIO



É de Nelson Rodrigues a afirmação de que o óbvio é invisível. Dizia isso em relação aos lances claríssimos de falta,  pênalti, cometidos nas barbas do árbitro que, inexplicavelmente, não “via”, não soprava o apito.
            Entretanto, cada um tem sua forma de enxergar as coisas. De Stanislaw Ponte Preta, contam que, em tenebrosas épocas, foi obrigado a se desdizer. Ele afirmara que metade da Câmara era corrupta. Então o fez: “Metade da Câmara não é corrupta.” Vejam só! Desdisse e tudo ficou do mesmo jeito. Um copo está meio cheio ou meio vazio? Depende... da sede.
            Belíssima explicação foi a de um Bispo a um não crente que questionou sobre como, na Eucaristia, poderia estar o Corpo de Cristo, sendo que o corpo era muitas vezes maior que o pedacinho de pão e, de como ele estaria presente tanto neste pedaço de pão como em outro ao mesmo tempo. O Bispo respondeu – como bem sabem fazer os judeus – com outra pergunta: “O que é maior: os olhos ou a paisagem? A pupila e a retina ou aquela montanha? No entanto, a montanha “cabe” dentro dos olhos”. E, sobre a concomitante presença de Cristo em vários pedacinhos de pão, argumentou: Se nos colocarmos diante de vários pedacinhos de espelho, não teremos nossa imagem refletida inteiramente em cada um deles?”.
            Deus, a quem alguns chamam de “acaso”, meus amigos, é o óbvio invisível e ululante. É tão clara a sua presença em nosso meio que chega a ofuscar! O livro da Sabedoria tem páginas belíssimas sobre esse tema: “... pois é a partir da grandeza e beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu autor []... se eles possuíram luz suficiente para perscrutar a ordem do mundo, como não encontraram eles mais facilmente Aquele que é o seu Senhor?” (Sabedoria, 13).
            O que não se vê, mais do que invisível, pode se tornar temido. Talvez, por isso, muitos tenham medo de Deus. Porém, não necessariamente... É atribuída a Joaquim Nabuco a seguinte frase: “A força do desconhecido está em que ele não se presta à comparação.” Deus, invisível, fez-se invisível na pessoa amorosa do Filho. “Senhor, disse-lhe Filipe, mostra-nos o Pai e isto nos basta.” Respondeu Jesus: “Há tanto tempo que estou convosco e não me conheces, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai.” (Jo, 14,8).

            Para fechar com bom humor e, para mostrar que facilmente nossos olhos podem ser levados para longe do foco que realmente interessa (como o mundo pode desviar-nos o olhar de Deus), mais uma do Sr. Stanislaw: Uma velhinha atravessava diariamente a fronteira com um saco de areia na garupa e uma moto. O guarda olhava, vistoriava, abria o saco e nada. Depois de vários dias o policial virou-se para ela e disse: “Sei que a senhora está contrabandeando alguma coisa. Pode me dizer. Não vou prendê-la”. Ela, diante dos insistentes pedidos do oficial, disse: “O senhor não vai mesmo me prender?”. “Não. Pode ficar tranquila. Agora, diga: O que a senhora contrabandeia? Ela respondeu: “Moto”.

NEM POR UM MILHÃO



Dizem que um repórter, ao ver Madre Teresa cuidar das feridas de um mendigo, virou-se para ela e disse: Não faria isso nem por um milhão! Ao que ela, serenamente, respondeu: Nem eu. Magnífica resposta! Daquelas do tipo: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus; ou, ainda: quem não tiver pecado atire a primeira pedra. Emudece o interlocutor, põe um ponto final. Touché!
Fica claro que Madre Teresa não fazia aquilo por dinheiro. Era o amor que a movia. A moeda dos que amam é o amor, pois é ele quem dá valor aos atos. São Paulo nos recorda isto quando assevera: “Se não tivesse amor de nada valeria.”
Creio ter sido uma decisão acertada a escolha do tema “Economia e Vida”, e do lema: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Mt, 6,24), para a Campanha da Fraternidade 2010. Interessante Jesus não colocar como opositor direto a Deus a figura do diabo e, sim, o dinheiro. A forma que Ele escolheu foi muito mais tangível, pontual. Não ficou na esfera etérea e cheia de nuvenzinhas e, sim, na crueza da realidade cotidiana, sem chances para outras interpretações.
Não se trata, aqui, de “demonizar” o Mercado, o dinheiro; embora eles, o consumismo insano e seus sinônimos comparsas, bem que o mereçam. Porém, “divinizá-lo”, nem pensar! Prestar a ele culto? Nunca. Supor que ele tudo resolverá é infantilidade. Que ele é justo: balela. Ele demonstrou-nos muito bem a sua ineficácia e fragilidade de seu modelo (especialmente durante a recente “crise financeira”), sua capacidade em sugar ao esgotamento os recursos naturais, sua incapacidade em repartir, sua extrema competência em poluir e destruir, a voracidade do seu lucro individualizado e de seu prejuízo socializado; sua predileção pelos os que detêm o capital, inversamente ao que se propõe no cristianismo.
Em I Tm 6,10 podemos ler: “... a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro.” Aqui há uma totalidade: todos os males têm como raiz o apego ao dinheiro e tudo o que ele representa, na ambição desmedida, no poder que confere. Por analogia: todo bem tem sua raiz no amor a Deus.
Havia um programa na televisão: Topa tudo por dinheiro. Não sei se ainda existe. Se não na telinha, está plenamente em voga no dia-a-dia, nos conchavos, nas meias e cuecas, nas bolsas de valores, no favorecimento de sentenças, no “Mercado”, nas “alianças”, na má política, nas propinas, nos escritórios.
Certo estava Belchior quando cantou em Paralelas: “... no escritório em que eu trabalho e fico rico, quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor.”
Quem questiona essa prática mercadológica agressiva, visando única e objetivamente o lucro a qualquer custo, sem se importar com o demais, com a justiça social, em detrimento da ética, recebe, em meio a risinhos contidos, a seguinte interrogação-exclamação:“Tem alguma freira aqui?!”. Infelizmente, não. A verdadeira freira estava em Calcutá cuidando das feridas de Jesus presente no pobre. Hoje está no céu. “A quem quereis servir?” (Cfe. Js, 24,15).

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

MANE NOBISCUM DOMINE



Sofrimento e sacrifício. O que os distingue? Certamente, o amor. Salvo engano, foi o Bispo Fulton Sheen o autor desta pertinente observação: sofrimento é a dor sentida por si só, sem amor; sacrifício é a dor vivida e envolvida em pleno amor. Não seria possível a redenção da humanidade se faltasse à missão de Cristo a dimensão do sacrifício, o qual Ele viveu plenamente por amor a nós e, por amor e obediência ao Pai.
No Haiti, diversas cenas nos comoveram e, somente aqueles que trazem uma pedra no peito, não se emocionaram diante de tudo aquilo. Mane Nobiscum Domine: Permanece conosco, Senhor. Esta é a tradução. E Lucas completa: “... pois cai a tarde e do dia já declina” (cf. Lc 24,29). A tarde caiu e o dia declinou em espessas trevas no Haiti.
Em situações trágicas é natural vir à nossa mente algumas pontuais frases bíblicas, tais como: Onde está o teu Deus? Ou ainda: Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste? Estas, pinçadas assim, parecem dar razão e vitória à incredulidade, ao ateísmo e à desesperança. Parecem...
Luis Fernando Veríssimo escreveu uma interessante crônica comparando o “deus” de um religioso americano (que atribuiu a catástrofe Haitiana a um castigo dos Céus), ao Deus solidário de Zilda Arns, Deus esse que, como os seus filhos da Pastoral, acolhe as crianças: “... deixai vir a mim os pequeninos.” Mane Nobiscum Domine.
Quando vi na televisão a imagem da Catedral toda destruída e o Crucifixo em frente, íntegro, preservado, tomei-a para mim como um claro sinal da permanência de Deus a nos dizer: “ Eis que estou convosco todos os dias [...]” (Cf. Mt 28,20). Mane Nobiscum Domine. Ele permanece conosco.
Retomando o raciocínio inicial: como então, fazer, do sofrimento, sacrifício que salva? Derramando sobre toda dor o amor que se solidariza e se compadece. Mane Nobiscum Domine. O Deus, que em nós vive, fica conosco através de nós mesmos e de nosso amor pelos irmãos. Somente assim, encarnada, em vivas tintas, a religião encontra, entre os que aqui estamos, seu sentido maior. Dra. Zilda sabia deste “segredo”. Digo isso pois, outro momento que me impressionou foi, ao fim do Fantástico, ouvir Marília Pêra repetir as palavras do discurso de Zilda no Haiti. Tomo a liberdade de aqui as transcrever:

“Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos” significa trabalhar pela inclusão social, fruto da Justiça; significa não ter preconceitos, aplicar nossos melhores talentos em favor da vida plena, prioritariamente daqueles que mais necessitam. Somar esforços para alcançar os objetivos, servir com humildade e misericórdia, sem perder a própria identidade.
Cremos que essa transformação social exige um investimento máximo de esforços para o desenvolvimento integral das crianças. Este desenvolvimento começa quando a criança se encontra ainda no ventre sagrado da sua mãe. As crianças, quando estão bem cuidadas, são sementes de paz e esperança. Não existe ser humano mais perfeito, mais justo, mais solidário e sem preconceitos que as crianças. Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe dos predadores, ameaças e perigos, e mais perto de Deus, devemos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-los. Muito obrigada! Que Deus esteja com todos! Zilda Arns.

Grande abraço,
Saulo Soares.

sábado, 10 de outubro de 2009

O PIPOQUEIRO E A SANTA



Perguntado se guardava pipoca de um dia para o outro, Álvaro, o lendário pipoqueiro de Piraí sentenciou: “Não dá. Vira isopor.” É verdade... Certas coisas em nossas vidas são como as pipocas: deixadas de um dia para o outro, viram isopor, perdem o sabor, ficam sintéticas. Outras não. A sabedoria está, precisamente, em distinguir uma das outras. É tarefa difícil, Hercúlea, encontrar o equilíbrio entre o antecipado e o atrasado: o tal “melhor momento”... Se antecipamos corremos o risco de sermos tidos como afobados, sem perseverança e impacientes. Em tempo: ouvi a seguinte frase que achei muito pertinente: a teimosia é uma degeneração da perseverança. Mas continuemos: se postergamos, podemos nos assemelhar ao zagueiro que perde o tempo da bola, chega atrasado, faz falta grave e toma cartão vermelho. Fora do jogo. Perdemos a vez. Por pouco...
Há algum tempo li uma crônica que se chamava exatamente “Por pouco”. Por pouco não fiz isso, não conquistei aquilo, não fui para tal lugar, não disse aquele “sim”...Enfim, uma ladainha de oportunidades perdidas... por pouco. Mas deixemos de lado, por ora, os “por pouco” e voltemos às pipocas.
Vira isopor, sem sal e sem sabor, o abraço que deixamos de dar nos pais, o perdão que não pedimos ou não concedemos, a palavra amiga e precisa a qual recusamos ouvir ou dizer. Vira isopor o “basta” que não demos diante de uma situação de humilhação e vilipêndio. Vira isopor o curso que deixamos de concluir, o novo idioma a aprender, a viagem a fazer. Vira isopor tudo isso e muito mais.
Originalmente, esta crônica se chamava “A alquimia da pipoca”. Claro, eu a tinha escrito sobre um outro aspecto, há muitos anos, bem mais jovem. Reescrevi. O “vira isopor” pretendia ser apenas um desfecho bem-humorado para o texto. Saudosismos à parte, o título original tratava de uma transformação, de uma alquimia. Ocorreu-me que, mais do que nossos gestos e palavras transformarem-se, como as pipocas, isopor, nós mesmos podemos ser vítimas desta maldição. E o pior, de uma dupla maldição: dos “por pouco” e dos “vira isopor”. Além de perdermos o tempo certo (vira isopor), ficamos nos lamentando por toda vida o desfecho de nossas escolhas (por pouco). E o passado se torna um amargo presente e não conseguimos nos livrar dele. Gruda feito carrapato e torna-se uma enfadonha e lamuriosa recorrente em nossas vidas.
Mas, há um jeito, uma esperança. Sempre há. Tão difícil como encontrar o tal melhor momento, mas possível. Trata-se de, como esta crônica, reescrever nossa vida. Não deixar para depois o bem a se fazer hoje. Santa Terezinha de Jesus dizia algo de suma importância: “...só tenho hoje para amar, só tenho hoje, ó meu Deus! Só tenho hoje para dar todos os sonhos meus.” (Adaptação A.C. Santini) . Algum de nós – por mais rico ou sábio que seja – tem posse ou domínio do passado ou do futuro? Ou pode acrescentar um minuto à sua vida, como diz Jesus?
O Pipoqueiro e a Santa tem algo em comum: a urgência. Urge – e é para hoje – vivermos! Ou, como diz o Evangelho: a cada dia basta sua preocupação... o pão nosso de cada dia nos daí “hoje”. Ou ainda o Maná no deserto que era a porção diária necessária, se se guardasse um pouco para amanhã, perdia-se, estragava-se. Como dizia Renato Russo:”...é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã...porque na verdade não há.”
O poeta Vinícius de Moraes tem uma frase interessante: “Meu tempo é quando.” Parafraseando-o, poderia dizer: “Meu tempo é hoje”. E você? Quando é seu tempo? Ontem? Amanhã? Ou o hoje que nos iguala e nos permite realizar bem o “Bem”?
Para finalizar, outra frase, esta de São Pio de Pietrelcina:” Ó, Senhor! O meu passado à Tua Misericórdia, meu presente ao Teu Amor, meu futuro à Tua Providência!” Belo lema para se viver. Hoje.
Grande abraço,
Saulo Soares

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

GRAN TORINO



Assisti, dia desses, Gran Torino, com Clint Eastwood. Parece-me que o estilo rabugento do ator, assimilado por interpretar reiteradas vezes personagens com essa característica, nunca lhe caiu tão bem. Não vou dar detalhes, por razões óbvias, porém a estória de um preconceito transformar-se em amizade – apesar de um tanto comum – vale a pena ser vista. E como vale! Aliás, utilizei o verbo “transformar” (transformar em amizade), mas não é o mais correto, penso. Na Igreja aprendemos que o Pão e o Vinho não se “transformam” no Corpo e no Sangue de Jesus. Há uma transubstanciação. Ou seja, há uma mudança na substância e não na forma, como sugere o verbo transformar. E há nisso uma beleza, leveza e profundidade, porque revela que o que mais importa acontece sem que a vista perceba: ocorre na substância e não na aparência.
O mesmo Jesus, em determinado momento diz aos seus discípulos: Já não vos chamo de servos e sim de amigos! Mudança substancial. É como no Pequeno Príncipe: o essencial é invisível aos olhos.
A bem da verdade, quando me sentei para escrever esta crônica, o tema que me apetecia era etimologia. Do quanto as palavras, em seus significados originais, podem nos revelar sobre si próprias e sobre nós mesmos. Lembrei-me da palavra “ingênuo” que, para o senso comum, pode ser sinônimo de bobo, de excessivamente crédulo. Ingênuo quer dizer, etimologicamente, de joelhos. Aquele que se coloca de joelhos. A pessoa que se põe de joelhos se faz menor dos que os que estão em pé. Faz-se... criança. Talvez, por esse motivo, o mesmo Jesus diz que “quem não se fizer como uma criança, não entrará no Reino dos Céus.” Sim, quem não se abaixa, não se torna da estatura de um pequeno, não reconhece estar perto do chão, do húmus (daí a palavra “humano”, “humilde”), não pode enxergar e extasiar-se diante da grandeza e da realeza do Amor, do Reino do Amor.
Gran Torino tem um final fantástico. Um final “ingênuo”. Em meio ao caos de tanta violência gratuita, constrangedora, um final amoroso que decreta o fim de toda rabugice e revela – parêntesis: revelar significa “tirar o véu” - que mesmo sobre a mais triste e carrancuda aparência, sobre o mais roto véu há, definitivamente, uma substância. E que essa pode e deve ser mudada, não obstante o que por fora exista. Joga no lixo a expressão de que a vingança é um prato que se come frio e adverte, como nos anúncios dos Ministérios: Vingança causa indigestão na alma.
Ainda tenho alguns filmes a assistir. Dizem que “O caçador de pipas” e “O menino do pijama listrado” são muito bons. Ainda não os vi. Tem, também, o “Antes de partir”. Estão todos aguardando o Sr. Saulo ter um tempinho. Mas o que realmente importa é saber enxergar o essencial, de natureza invisível, e compreender o que dizem as palavras, mesmo na sua mudez.
Mas como? Enxergar o que não se vê? Ouvir o que não se diz? Sim. E isto somente se dá pela fé. São Paulo nos ensina que a “fé é a posse antecipada de uma realidade que não se vê.”
É preciso ter fé. Acreditar, dar crédito, confiar, arriscar. Crer no bem. Para terminar me lembrei de um outro filme: Indiana Jones e aquela maravilhosa cena do “passo de fé”. Para quem não se recorda ou não viu: um grande abismo e um objetivo separado por ele. Era necessário um passo de fé, dizia o caderninho em suas mãos. E o herói-arqueólogo o dá. Cerra os olhos, “dobra os joelhos” (desta vez para o alto) e pisa... firme! Um caminho de pedras, das mesmas cores e nuanças das paredes do abismo, num fantástico mimetismo, num lance de gênio de tomada da câmera, numa perspectiva até então não compreendida nem experimentada, se revela seguro na direção do que se procurava.
É. O cinema vai além da pipoca e do guaraná. Como vai além quem decide, invertendo a sentença, “crer para ver”.
Grande abraço,
Saulo Soares

segunda-feira, 13 de abril de 2009

DARFUR E O CRISTO CEGO


Raramente se vê na grande mídia posições favoráveis à Igreja, ao cristianismo e à fé. Quando muito, aludem à fé, de uma forma reducionista, como um tipo de terapia ou uma “penicilina de Deus”. Parece-me que a mensagem é: “Sejamos sensatos: crer é bobagem.”
Estranhei, portanto, quando li na capa da Veja – Ed. 2092, às vésperas do Natal, ao lado da foto de uma africana trazendo nos braços seu filho visivelmente subnutrido, a seguinte afirmação do colunista Reinaldo Azevedo: “Precisamos de Cristo não porque os homens se esquecem de ter fé, mas porque, com frequência, eles abandonam a Razão e cedem ao horror.” Fé e Razão, tantas vezes contrapostas, aparecem, nesta significativa frase, como interdependentes e justapostas: excluindo-se Cristo (e a fé N'Ele e D'Ele decorrentes) corre-se o risco de ceder ao horror. Fé e Razão ou, Fides et Ratio, é o título de um documento da Igreja onde se afirma serem elas as duas “asas” necessárias ao pleno “vôo” do conhecimento.
A matéria completa da Veja trata dos horrores acontecidos no Sudão, mais precisamente em Darfur, onde prevalecem, a despeito dos organismos internacionais e entidades de defesa dos direitos humanos, a guerra, o genocídio, a matança selvagem, a fome imposta e os estupros. O repórter - Diogo Schelp - leva-nos à seguinte reflexão: “O mesmo mundo que se apieda de um filhote de urso-polar abandonado pela mãe no zoológico de Berlim fecha os olhos para as centenas de milhares de crianças subnutridas dos 130 campos de refugiados de Darfur.” Não há Lei em Darfur, nem misericórdia, nem esperança ou glória.
Samuel Fuller, autor e diretor do filme “Agonia e Glória” (The Big Red One), participante da Segunda Grande Guerra, afirma que “A verdadeira glória da guerra é sobreviver a ela”. O filme possui cenas memoráveis. Sem dúvida uma delas é a inicial: num cenário devastado, aparentemente só, um sargento americano, baioneta e fuzil em punho é, primeiramente, atacado por um cavalo “ensandecido” (os animais também têm seu comportamento alterado diante de tanta violência) e posteriormente assassina um oficial alemão, apesar de o inimigo pedir-lhe misericórdia e afirmar ter a guerra acabado ( e ela – a guerra – tinha, de fato, terminado). Tudo isso se dá sob a égide de um crucifixo onde o Cristo têm os olhos furados (deles saem insetos), numa clara referência à “cegueira” de Deus diante de tamanhos absurdos. Ora, como disse o repórter, não somos nós precisamente aqueles que fechamos os olhos (fazendo-nos de cegos), diante de tantas injustiças e horrores? Parece-me que se torna mais cômodo e alivia o peso de nossas consciências culpar a Deus por sua “não interveniência just-in-time” em nossa liberdade, do que assumirmos, de fato, nossas mazelas. Ou, como em algumas seitas: põe-se logo a culpa no “encosto”, no “demônio” e lava-se as mãos feito Pilatos. Justamente, nós, que prezamos tanto a liberdade e a temos como valor inegociável e sobre o qual não se transige!
Reinaldo Azevedo, no mesmo artigo do qual se retirou a afirmação da capa, diz: “Em Auschwitz, no Gulag ou em Darfur, vê-se, sem dúvida, a dimensão trágica da liberdade: a escolha do Mal. E isso quer dizer, sim, a renúncia a Deus. Mas também se assiste a dramática renúncia ao homem. Esperavam talvez que se dissesse aqui que o Mal Absoluto decorre da deposição da Cruz em favor de alguma outra crença ou convicção. A piedade cristã certamente se ausentou de todos esses palcos da barbárie. Mas, com ela, entrou em falência a Razão, humana e salvadora.”
Celebrar é tornar célebre. É se lembrar. E recordar é trazer novamente ao coração (re-cordis). A Igreja recorda, celebra, a cada ano os passos de Cristo. Nesses últimos dias celebramos a “Semana Santa”. Dentre os momentos mais importantes e dramáticos encontra-se o julgamento de Cristo. Nas leituras desse dia, há um instante em que todos participam, repetindo o que foi dito há 2.000 anos pela multidão: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Cristo foi julgado e condenado por um injusto tribunal, por um covarde e iníquo juiz.
A humanidade parece não ter mudado muito de lá para cá. Muitos de nós continuamos a esquivar-nos de nossas responsabilidades, passando ao largo do próximo; julgamos e condenamos injustamente Deus, exigindo, publicamente, a crucifixão de quem nos apresenta a solidariedade e o amor como um caminho superior e uma via de santidade.
Não obstante tudo isso, ainda devemos optar pela esperança. Sim, pois como diz a Carta aos Romanos 8,24: “É na esperança que somos salvos”.
Grande abraço, Saulo Soares.

domingo, 29 de março de 2009

O GOL



Nenhum sinal nos foi dado para que quando acontecesse acreditássemos, embora fosse algo tão previsível quanto a morte, quanto a vida. Passou por nós sem que a grande maioria sequer percebesse. É quase impossível descrever. Ai de mim! Talvez fosse necessário criar uma nova palavra, um novo idioma que o pudesse definir por completo. A princípio - como nesses filmes em que o mocinho se recusa a aceitar e admitir sua missão – relutei. Mas fui vencido e impelido a contar ao resto de nós o dia em que fomos redimidos de nossa frieza e desolação.
Saiu dos pés de um menino. Não, não dos pés, saiu da alma, como um grito, um parto, um hino de louvor e, então, sim, daí para os pés... descalços como os pés dos pobres que nos visitam e insistem em tirar as sandálias como se pisassem solo santo. Descalços e simples. Simples não por serem ordinários, mas por não serem compostos. Sim, porque os pés, o corpo, a bola, tudo era um só ser e quando ela (a bola) afastou-se dele - porque ele mesmo o quis e o fez! - ele o fez assim como uma mãe que lança o filho e o empurra em direção a sua mais íntima vocação. Em verdade ele a lançou sabendo que perderia algo de si em favor de muitos. E é precisamente aí, no desapegar-se de si e na entrega voluntária que se esconde o mistério do amor e a razão dessas linhas.
Aquele gol aconteceria mesmo se mil goleiros estivessem a defender... De fato, quando a bola entrou, fez-se um profundo silêncio, tal qual como se viesse à tona a verdade sobre nós e a última peça do quebra-cabeça se encaixasse revelando e reunindo a imagem. Foi tão belo que antigos poetas foram vistos andando por lá e a paisagem virou tela de um pintor renomado. O sol chegou mais perto e secou as lágrimas que trazíamos como pequenos segredos em nosso peito. Foi assim.
A essa altura o leitor poderia formular algumas interrogações: Mas, como pode um gol?... Que jogada mágica foi essa? De que forma nos redimiu? Os mais incrédulos diriam com desdém britânico: Just a goal. Bem, disse antes que era quase impossível descrever. Por essa razão não me prendi tanto a detalhes técnicos. Na realidade, para mim, isso é o que menos importa. Mas, devo reconhecer: preciso ser mais claro. Então, vejamos. Bem, lembra quando a bola entrou e fez-se o silêncio profundo? Pois então, naquele momento senti bater em meu peito um novo coração, sim, mais um, fiquei com dois corações(!) e escutei uma risadinha travessa como se alguém que estivesse escondido há muito tempo agora quisesse deixar-se encontrar. Virei-me daqui para lá e não encontrei o dono da risada. Meio atordoado levantei-me esbarrando num daqueles poetas antigos de que falei. Quase que ele caiu! Meu Deus! Se aquele verso não lhe estendesse a mão... Continuei a procurar e, desatento, manchei a camisa na tinta fresca da paisagem, daquele pintor que eu só chamei de renomado porque, na realidade, não sei pronunciar corretamente seu nome. Fui me limpar e acabei pintando de vermelho o meu nariz, como os dos palhaços. Foi aí que o dono da risada riu ainda mais, riu – como diria um amigo – que nem manteiga. A risada vinha do campo. O dono da risadinha era um dos jogadores! Entrei em campo. Tive medo e, quanto mais aumentava o medo, mais escuro ficava a ponto de eu não ver mais nada. Chorei. Foi então que o sol chegou mais perto e secou as lágrimas. Foi quando eu me vi frente a frente com ele – o menino dos pés descalços. Ele se parecia comigo quando eu era criança. Parecia-se também com meu filho. Ele não tinha coração no peito, em seu lugar algo como uma bola de futebol. Não tinha coração, não porque fosse mau, mas porque me havia dado o seu e, com ele, de volta, os sonhos que sonhei, os gols que quis fazer, o escritor e o herói que me imaginei. Ele me abraçou, deu-me um beijo e se foi. Foi assim.
Quem é esse menino? Sou eu menino, é você menino, é meu filho, seu filho... e somos redimidos de nossa frieza e desolação quando com ele nos encontramos. Não importa se na minha ou na sua rua, mas sempre onde dois ou mais estiverem reunidos em nome da paz, da família, da alegria, da amizade, do amor... e do menino.


Saulo Soares

DOIS CIGANINHOS





         Sede de sentido. É o título de um pequeno caderno – Ed. Quadrante - do Prof. Viktor Frankl, fundador da Logoterapia. Trata, obviamente, do sentido que “damos” à vida, especialmente à nossa vida. Diz ele que o sentido de nossas vidas não pode ser “dado”, mas somente encontrado. Não podemos criar um sentido, é preciso descobri-lo. Relaciona essa procura e descoberta com a felicidade. Ela – a felicidade - não é algo diretamente conquistado, e sim uma conseqüência dessa descoberta. Se encontrarmos o sentido, receberemos a felicidade como um efeito, um resultado desse encontro.
         Segundo Frankl há três experiências fundamentais para que isso aconteça: o amor a alguém, o serviço a um ideal e a aceitação do sofrimento inevitável em nome de algo maior. Olhando para essas três dimensões podemos chegar a uma conclusão: a felicidade, então, está... no outro. Não está em mim. Não está no ego. Não está no egoísmo. Está no outro. Talvez seja essa a grande conversão: do egoísmo para o amor. Não dessa para aquela religião, mas da conversão de um movimento interior centrípeto, voltado para si mesmo, para um movimento centrífugo, que foge do próprio centro e vai em direção ao outro.
         Disse isso por causa do Natal que se aproxima. È comum falar e escutar com saudosismo: perdeu-se o verdadeiro sentido do Natal... Como se nós nada tivéssemos com isso! Não estimulássemos esse consumismo desenfreado! Não contribuíssemos para a troca dos valores evangélicos por cifrões! Não fossemos, tantas vezes, avaros e pouco generosos... Culpados ou não, perdeu-se o sentido do Natal e é preciso reencontrá-lo.
         E o que o título desse pequeno artigo tem a ver com isso? Leia essa singela história que a seguir transcrevo e entenderás. Ela foi narrada por Urteaga e fala-nos de dois ciganinhos, um de dez anos, outro de cinco, famintos que, depois de várias tentativas, conseguem algum alimento: um pote de leite. Aqui começa o diálogo:
- Senta-te. Primeiro bebo eu e depois bebes tu.
         Dizia aquilo com ar de Imperador. O menorzinho olhava para ele, com seus dentes brancos, a boca semi-aberta, mexendo a ponta da língua.
         Eu, como um tolo, contemplava a cena. Se vísseis o mais velho olhando de viés para o pequenino! Leva o pote à boca e, fazendo gesto de beber, aperta fortemente os lábios para que por eles não penetre uma só gota de leite. Depois, estendendo o vasilhame, diz ao irmão:
- Agora é a tua vez. Só um pouco.
         E o irmãozinho sorve fortemente.
- Agora eu.
         Leva o pote já meio vazio à boca, e não bebe.
-Agora tu. Agora eu... Agora tu... Agora eu...
         E depois de três, quatro, cinco, seis goles, o menorzinho de cabelo encaracolado, barrigudinho, com camisa de fora, esgota  o leite. Esses “agora tu”, “agora eu” encheram-me os olhos de água! É assim...que temos de nos amar.”
         Jesus nasceu em Belém, que quer dizer “Casa do Pão”, lugar apropriado para nascer o Pão da Vida, Aquele que se faz alimento para nós. Sejamos também “alimento e vida” para nossos irmãos e, quem sabe, descobriremos o verdadeiro sentido de viver. O verdadeiro sentido do Natal.

         Feliz “redescoberta” do Natal!

Saulo Soares


CINEMA



Vi em seus olhos um filme
Onde as casas tinham seu nome,
Os dias tinham seu nome
E à noite sempre saías.


Vi, da varanda dos seus olhos,
Um cinema onde as cores tinham seu nome,
E a fotografia
Deixava beijos à espera.


Vi, nos quintais da sua retina,
O amor em cartaz,
As notas musicais terem seu nome
Que o mundo entende.


Vi, no fim da fita da tarde,
Seu nome que arde na boca: The end.




Saulo Soares

sábado, 21 de março de 2009

POEMA DO AMIGO



Por um cordão umbilical imaginário
Fizemo-nos irmãos na vida.
Pedra por pedra, a casa que acompanha nos caminhos.

Fizemo-nos distantes,
Sem nos tornarmos sozinhos,
Nos versos que a saudade recita.

Dê cá um abraço que eu enlaço minha alma na sua,
E vê se me advinha um pensamento,
Pois os seus passeiam desatentos
Pela calçada da minha rua.

Por um cordão umbilical imaginário
Fizemo-nos irmãos na vida.
Pedra por pedra, a casa que acompanha nos caminhos.

Feito o rio e sua margem,
Tal qual o deserto e a miragem,
Assim como a chegada e a partida.



Saulo Soares

NÃO PERDOE CEDO DEMAIS



Este é o título de um interessante livro da Verus Editora. Os autores afirmam que o perdão é um processo com estágios bem definidos: negação (não admito estar magoado), raiva (a culpa é do outro), troca (somente vou perdoar se...), depressão (por que isso aconteceu comigo? É minha culpa!) e aceitação (finalmente aceito o fato de que posso e devo perdoar, tirando lições de todo o processo). Segundo eles, é preciso passar por estes estágios para que se consolide e dê frutos o perdão. Pular etapas, perdoar antecipadamente, sem uma boa reflexão, não seria lá muito indicado. O Papa João Paulo II tem uma frase de que gosto muito: “Não há paz sem justiça. Não há justiça sem perdão”. Notadamente nós correlacionamos a justiça com a punição, porém devemos estabelecer a mesma relação com a absolvição, com o perdão. Repare que o Papa coloca numa ponta da frase a paz e na outra o perdão. No meio, a justiça, bem parecido com a conhecida figura da balança. De fato para se obter a paz há que se perdoar. Etimologicamente a palavra perdoar – perdonare – significa doar-se além, perpassar a si mesmo em uma doação, per doar. Conheci uma pessoa que dizia que a palavra perdão não estava em seu dicionário. Triste pessoa. Ela também deveria riscar a palavra paz do seu vocabulário.
Nossa natureza parece estar mais afeita à vingança, do que ao perdão. Exige reparação dos “danos”, normalmente em proporção maior do que o mal que nos foi feito. Isso lá é justiça? Porém o interessante é que mesmo a vingança não nos satisfaz por completo. Ainda fica algo a se resolver, ou o medo de uma represália nos torna reféns da situação, inseguros e apreensivos. Carregamos esses fantasmas cheios de correntes por onde andamos. Ficamos presos a quem não perdoamos, dormimos com o inimigo. Dormimos mal.
Então, o que fazer? Parece que o bom senso nos pede para perdoar e seguir nosso caminho livre. Com efeito, perdoar é libertar-se. Mas não é fácil... Há quem diga que perdoa mas não esquece. É fato. O ato de perdoar não apaga as lembranças, é verdade. O Catecismo traz uma saída de mestre para o caso: perdoar não apaga a memória, mas purifica a lembrança. Ou seja, perdoando, cada vez que me lembrar do fato já não me valho do ressentimento e sim da intercessão. Não fico ressentindo o mesmo mal, recordo-o e, aos poucos, a raiva se torna oração pela pessoa que me ofendeu e por mim mesmo. Uma cura. Aliás, o Sacramento da Confissão ou Reconciliação para a Igreja está incluso nos sacramentos de cura! Ele – o Catecismo – diz: o perdão inaugura a cura. A ciência, se por um lado já aceita os benefícios da fé e da oração para o ser humano, também aponta doenças e malefícios oriundos dos maus sentimentos, das emoções negativas, dos rancores e do ódio. Ou seja: o bem faz bem, o mal faz mal. Elementar. Perdoar é um caminho possível, mas, com certeza, um caminho de subida...
Resolvi escrever sobre o perdão por causa das Cinzas e do Carnaval. Dizem que no Brasil o ano, as coisas só começam depois do Carnaval. Lembrei-me de uma frase: “Ao orar, começa perdoando”. Que tal começar o nosso “ano brasileiro” perdoando e traçando um novo caminho, mais livre e em paz consigo mesmo e com os outros? Faça um bem a si mesmo. Dê a si mesmo essa nova chance. Dê aos outros uma nova chance. Como diz a canção: Give peace a chance! (Dê uma chance à paz!).
O subtítulo daquele livro, Não perdoe cedo demais, é: estendendo as duas mãos que curam. Eu mudaria para: Não perdoe cedo demais... mas, perdoe.
Um grande abraço,
Saulo Soares

TRÊS CENTAVOS



Talvez você não se lembre, ou não seja da sua época, porém, havia um quadro no Programa Sílvio Santos com o seguinte formato: uma pessoa numa cabine, com os ouvidos totalmente tapados. Sem que nada escutasse, o apresentador lhe fazia propostas às quais deveria responder “sim” ou “não”, surdamente. Era comum, por exemplo, trocar um carro zero por um cacho de bananas! Do lado de cá da telinha pessoas se compadeciam ou escarneciam, deliciavam-se dizendo de boca-cheia o seu “bem-feito” ou lamentavam-se piedosamente, de acordo com a sua índole. Cruel, mas verdadeiro.
Outra lembrança: Hardy, a hiena chorona, uma personagem de desenho animado interessantíssima. Não obstante as hienas sejam conhecidas por suas “gargalhadas” sem um flagrante porquê – o que seria motivo para serem tidas como incorrigíveis otimistas – Hardy era – num óbvio paradoxo - uma pessimista sindicalizada. Tinha um chavão: “Ó Vida! Ó azar!”. Tudo para ela estava ruim e, se não estava ainda, com certeza, logo ficaria. Lembro-me de um episódio em que ela e seu parceiro, o leão Lippy, perdidos em alto-mar, avistam uma ilhota e, de pronto, Hardy sentencia: “Ó vida! Ó azar! Deve estar cheia de canibais! ”.
Meus amigos, participei pela primeira vez como candidato a vereador em Piraí. Tive a oportunidade de conhecer melhor o município e melhor conhecer as pessoas. Quero registrar aqui o meu sincero agradecimento à todos os que votaram em mim e, também àqueles que não votaram, mas que o fizeram de forma consciente, que souberam, com sua honradez e espírito de cidadania, contribuir com o processo democrático. Meu muito obrigado!
Como diz John Maxwell: “Na vida ou se ganha, ou se aprende”. Considero, particularmente, o aprendizado uma vitória. Aprendi que uma eleição pode ser feita mais com cimentos e tijolos do que com idéias e compromissos. Aprendi, também, que nem sempre é assim. Aprendi que nem todos se deixam levar e não trocam, como no episódio bíblico, “a benção por um prato de lentilhas”. Aprendi, também, que há pessoas cansadas de uma política apequenada e baseada em favores pessoais. Homens e mulheres que não somente sonham, mas lutam. Aprendi que uns tantos se vendem, antes, durante e depois. Que uns poucos compram. Aprendi que, tantas vezes, apertos de mãos não dizem nada ou dizem exatamente o contrário do que querem dizer. Que uma eleição pode se ganhar ou se perder no dia. Aprendi que muitos de nós perdemos a esperança e que outros tantos a erguemos heroicamente. Aprendi que devemos continuar a lutar pelos nossos ideais, não obstante muitos os considerem ingênuos e utópicos. Aprendi e sou muito grato pela oportunidade.
E o que tudo isso tem a ver com o Silvio Santos e a hiena? Simples. Não se toma decisões importantes fechando os ouvidos à verdade, à voz da razão, valendo-se de uma surdez seletiva, apoiando-se em desculpas temporais, capengas, sob pena de nos tornarmos uma hiena chorona por longos quatro anos.
Digamos que, hipoteticamente, vejam lá! – hipoteticamente, eu disse! - alguém vendeu seu voto para vereador no “mercado eleitoral” por R$ 50,00. Sabendo-se que esse voto vale por quatro anos, ou seja, 1460 dias, tal pessoa obteve pelo seu voto a “vultuosa quantia” de R$ 0,03 ao dia!!! Por motivos diversos trocou a oportunidade de fazer valer sua opinião e deixou-se levar pela tentação do imediatismo e da “Lei de Gérson”. Votou em candidato desonesto. Sim, porque quem compra votos age desonestamente e quem vende, também. Se o candidato agiu tal forma durante e campanha, agirá, também, de forma igual ou pior caso eleito. O eleitor trocou uma oportunidade única por um... “cacho de bananas”. A título de comparação, o salário de um vereador em Piraí será em 2009 de R$ 4.644,01 mensais, ou seja, R$ 154,80 por dia.
Não se trata aqui de um desabafo ou de um amargor de quem não foi eleito. Não. Trata-se, fundamentalmente, de uma reflexão, a qual concluo com uma exortação à esperança. Como diz o poeta, cada novo dia em nossa vida é como uma “folha nova de um velho caderno”. Cabe a nós o que nele escrever. Temos escolha e como diria Confúcio:”Não corrigir os erros é o mesmo do que errar novamente”. É preciso refazer o caminho e crer que a mudança começa em nós. Que uma longa jornada é feita passo-a-passo.
A primavera é uma estação associada à vida nova, à esperança. É do poeta cubano Sylvio Rodriguez o belo verso: “Meu amor não aceita fronteira como a primavera não escolhe jardim.”

Escolhamos, pois, ser primavera, não nos importando qual jardim floresceremos em nosso caminho.
Um grande abraço,
Saulo Soares