terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

POR QUEM DOBRAM OS SINOS?


Há uma significativa e consoladora imagem judaica sobre a morte: um navio de partida. Dizem: quando alguém morre é como se um navio desaparecesse na linha do horizonte. Não mais o vemos. No entanto, do outro lado, no Grande Porto, avistam-no e, alegres o saúdam os que antes partiram.
A linha do horizonte é a linha da visão, do que podemos enxergar. Não se trata, notem, de uma linha linha vertical, mas, horizontal, igualitária. De fato, a morte nos iguala e põe por terra as diferenças num grande abraço. A cruz também traz esse sentido: o encontro de uma linha fincada na terra e apontando para o céu na vertical e de outra, que se estende no horizonte, como braços que a todos quer enlaçar...
Uma bela e antiga homilia sobre o Sábado Santo diz que, "descendo à mansão dos mortos", Jesus procura por Adão, estende-lhe a mão e lhe diz:"...Eu sou o teu Deus...Levanta-te, pois não te criei para que fiques prisioneiro... Eu sou a Vida dos mortos". Que Deus amoroso! Fomos feitos para estarmos em pé, não curvados. Livres e para a Vida que ele nos reservou em seu Amor que ressuscita!
Gustavo Corção, em Lições de Abismo, recorda-nos a caráter inevitável da morte. Entretanto, diz ele, quando ela chega a nós ou a um dos nossos nos parece um absurdo. E por que? Porque em nós, penso – mesmo nos descrentes! - há um latente germe de eternidade a sussurrar: "Sois de Deus, sois do Eterno!"
A morte nos faz "lembrar" o que está por vir: a nossa partida. Torna-nos mais conscientes da nossa humanidade e deveria fazer de nós mais solidários e urgentes no bem. No samba "Quando eu me chamar saudade", de Nelson Cavaquinho, podemos escutar: "Sei que amanhã quando eu morrer, os meus amigos vão dizer que eu tinha um bom coração. Alguns até hão de chorar e querer me homenagear fazendo de ouro um violão... Mas depois que o tempo passar, sei que ninguém vai se lembrar que eu fui embora. Por isso é que eu penso assim: se alguém quiser fazer por mim, que faça agora!" E termina: "Me dê as flores em vida, o carinho, a mão amiga, para aliviar meus ais! Depois que eu me chamar saudade, não preciso de vaidades, quero preces e nada mais!"
Com certeza você viu partir pessoas amadas. Estão em Deus, creia! Lembro-me o que me disse um jovem, citando uma canção: "As flores de plástico não morrem..." Retruquei: "Não, as flores de plástico não vivem..." Não somos de plástico, nem descartáveis, temos valor, vivemos!
Cada um de nós é uma obra única, irrepetível, rara, de incalculável valor! É o que nos diz um trecho de "Meditações XVII", do inglês John Donne:"Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra. Se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída... a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.
Por fim, João 12,24: "Se um grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto."
Sigamos em frente! Deus está ao nosso lado!

Grande abraço,

Saulo Soares


Dedico ao Dr. Fernando Arantes Leal estas linhas. Mais do que um profissional exemplar, um ser humano formidável, um amigo do qual sentiremos muitas saudades.