segunda-feira, 30 de julho de 2012

SOMBRAS DOS PROFETAS

     Sentei-me em frente à Matriz de Santana, encostado numa pilastra do canto. O sol batia em minhas costas e no prédio em frente as sombras das pilastras pareciam-me os Profetas do Aleijadinho.
     O zelador da Igreja abriu as janelas do coro . Num pensamento bobo fico esperando a Igreja cantar. Bobagem mesmo... Ele retirou das janelas duas casas de marimbondos. O relógio da Igreja marca cinco para as cinco. As sombras começam a envelhecer e a diminuir de tamanho, aproximando-se uma das outras para se unirem numa única profecia.
     Escrevo à medida que o sol enfraquece, à medida exata dos sentimentos das coisas. Agora passa um cachorro apressado como se atrasado para um encontro ou como se fosse o Coelho de Alice. Por que os cachorros andam apressados?
     De onde estou posso ver a Mata do Amador modificando-se no claro-escuro do sol. Passa um carro justamente quando o relógio bate cinco horas. Atrapalhou-me a ouvir o tempo dizer: Cinco a zero  para mim, Saulo!
     Agora quem passa é o Sr. Bento. Canta aquele vento frio... As andorinhas pousarão no fio do pára-raios e depois sumirão para o mistério dos seus ninhos. Quando de fato anoitecer, as mariposas terão um encontro marcado em torno da luz.
     Uma criança passa cantando uma canção que não sei. Agora já está na Praça, mas a melodia ficou cá em cima para eu aprender.
     Quanto não acontece num breve espaço de tempo! As sombras já não mais existem. Perdi outra profecia... Algumas luzes a mais acesas no Asilo e as andorinhas darão lugar às mariposas. Mas eu? A quem darei meus olhos interioranos, meus sentimentos caipiras? Quem velará pelas sombras e saberá do turno das andorinhas e mariposas? Eu que nada sei, volto para casa como o céu rosado sobre a cabeça... Piraí. Como bem diz o seu Hino: "... Pequeno gigante!".

sábado, 28 de julho de 2012

LUAR DE PIRAÍ

Aqui a lua nasce de trás da Cruz, padecer de Cristo.
E, de tantas luas que tenho visto,
Só esta nasce para morrer Jesus!

Nasce no Cruzeiro,
Junto aos discos-voadores
E na rota dos aviões...

Nasce no extremo da minha vista,
Finca no solo a bandeira
- como fez o astronauta na conquista -
Como fazem as mulheres nos corações!

Aqui a lua nasce de trás da Cruz, padecer de Cristo.
E, de tantas luas que tenho visto,
Só esta nasce para ver Jesus!

Foto: Alexandre Teixeira, Piraí (RJ).

quinta-feira, 12 de julho de 2012

D. HIA


Sempre sorrindo, curvada como nas saudações nipônicas, D. Hia esbanja disposição. Recebe pensão lá no Banco. Por vezes a vi disputar (e vencer!) o que chamava de Grand Prix Aposentados e Pensionistas, circuito que vai da porta de entrada aos guichês de caixa. Diga-se de passagem: sem parar nos boxes!
            Quando implantaram a fila única, enquanto os demais concorrentes faziam a volta de apresentação, seguindo os limites das linhas, D. Hia cortava caminho. Antes mesmo de cruzar a linha de chegada já fazia gestos do que desejava: se o espelho do pagamento, numa mímica mesclada com coreografia, colocava a mão em frente ao rosto; se conta de luz, apontava para as lâmpadas; e assim vai D. Hia. Vai ou foi? Foi ou ia? Sei não...
            Maldosos, alguns, dizem que D. Hia deveria chamar-se D. Foi. A meu ver: D. Hia-fingiu-que-foi-mas-não-foi. Explico: sempre ao receber seu pagamento cumpre um ritual de trocados e trocadilhos com as notas. Pergunta se tantas dessas equivalem a tantas daquelas e... finge que vai. Volta e pede para trocar a de mil por duas de quinhentos e... finge que vai. A de quinhentos por cinco de cem e... finge que vai. Permita-me o leitor simplificar o nome de D. Hia para D. Hia Ioiô.
            Há poucos dias, ao fim do expediente, fui à Rodoviária para comprar umas revistas. Lá estavam, ela e sua filha, sentadas em frente ao embarque. Quem pensou que D. Hia ia, enganou-se. Era dia chuvoso e ofereceu-me sua sombrinha. Respondi (feito ela) imitando com gestos um volante nas mãos. Entendeu, sorriu e ficou a esperar o ônibus em que não viajaria. Lembrei-me não ser a primeira vez que a vejo neste mesmo horário no embarque.
            D. Hia foi a Banco com curativos nos braços e, no rosto, arranhões e mercúrio cromo. Falou-me, rouca, que havia caído na rua próxima a da padaria.  Disse-lhe algumas palavras de consolo e animação, despediu-se e, desta vez... foi. Não queria espelho, saldo, pagamento. Desejava apenas compartilhar um pouco de sua vida. Dias passaram e ela voltou, triunfal e sorridente. É... D. Hia Iaiá!
            Confesso que gosto de D. Hia e, por mais que vá prefiro sempre que volte.
P.S.: Finalmente D. Hia embarcou naquele ônibus. Destino: Eternidade.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

PONTA DOS PÉS

Senti saudades tuas
Como os pés sentem
Das ruas por andar.

E caminhei na lembrança e no passado,
E cada passo dado nesta andança
Era um passo - meu Deus! - a mais por dar.

Senti saudades tuas
Mas agora eu sei:
Senti como sentem as ruas
Dos caminhos que andei!

O SR. FARID E O CÉU


Perdemos o Sr. Farid... Que pena! Entretanto, o perdemos para Deus: então ganhamos.  Sentirei falta de seu inconfundível bom humor. Ah... O Sr. Farid era o tipo de pessoa que caminhava com um gratuito sorriso no rosto. Pronto a distribuí-lo generosa e largamente aos transeuntes e amigos. Era meu leitor. Confessou-me certa vez. Muito me orgulhou!
 Trazia consigo sempre uma anedota. Judeu, árabe, papagaio, português. Não importava; o que realmente valia era transmitir a alegria. O repertório era farto e, nós nos esbaldávamos. Quando ria quase não emitia som: as bochechas avolumadas pela graça, os olhos lacrimejantes pelo riso... Ríamos com o riso dele! É. É isso.
            Como nos fará falta! Quando soube de sua Passagem para o Senhor, fiquei imaginando ele chegando ao Céu. O Céu, amigos, não é “lugar” de mau humor e azedumes, não!  Perfeito para o Sr. Farid!
            São Pedro o avista, aperta e esfrega os olhos e diz esbaforido: “Senhor, Senhor, eu acho que é o Farid! Que faço?” E já se nota no canto da boca do Salvador da Humanidade nascer um sorriso divino. Mão no queixo, cabeça balançando suavemente em concordância e satisfação, se volta para o Guardião das Chaves e diz apressadamente: ”Como: o que faço?! Abre logo, Pedro, as portas, que eu e abro os braços! Meu querido amigo vem participar da nossa Alegria!
            Sr. Farid vem chegando, cada vez mais perto, e Pedro o recepciona. Pigarreia primeiro – hum, hum – manda dois anjos tocarem em terça um tã-nã-nã-tã-nã nas trombetas e, com ares solenes e celestiais diz quase solfejando em barítono: “Seja bem vindo, Farid; o Senhor te espera!” Ao que nosso saudoso e querido amigo retruca: “Pedrão, conhece aquela da Festa no Ceú...”
            Ah... Depois de sua Páscoa definitiva, encontrei-me com algumas pessoas: Carlinhos do Seu Zezé, Mackenzie, e outros tantos mais: todos se lamentando...
            Esta é a minha homenagem. Não poderia ser de outra forma. Não poderia trazer a tristeza dos obituários. Não, por certo, não... Precisava, sim, renovar a alegria que ele nos presenteava cotidianamente.      
      À sua família:  meus sentimentos e, principalmente, a certeza e a esperança dos que creem em Cristo: a fé na Ressurreição. Um dia todos  estaremos juntos! Sorrindo, alegres de uma Alegria que nada, nem mesmo mais a morte, poderá nos roubar!
Grande abraço,
Saulo Soares.