domingo, 18 de julho de 2010

A CALMA


Perdemos a calma. E com ela – permita-me – a alma tranqüila. É de Renato Teixeira o belo verso: “A calma é irmã do simples e o simples resolve tudo.” Tem também aquela outra – diga-se de passagem - maravilhosa: “Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais.”
Nesses nossos tempos de fast-food, de velocidade e pressa, os dias passam, os meses passam e nós... passamos. Este ritmo acelerado demais não nos permite viver com intensidade, apenas com superficialidade. Não há mais tempo para a subjetividade, somente para a objetividade. E com tudo isso nossos valores foram mudando, nossos relacionamentos, nossas expectativas, nossa forma de ver o mundo.
É como numa viagem de trem. Se fixarmos os olhos num ponto próximo a nós, tudo passa tão ligeiro que não conseguimos distinguir a paisagem. Mas se colocarmos nosso olhar mais adiante, num horizonte mais amplo, a imagem se fixa e daí podemos enxergar mais claramente.
Quando se vive numa velocidade e ritmos tais, qualquer erro, ou desvio na rota, pode ser fatal para o desfecho final. À grandes velocidades pequenos movimentos fazem enorme diferença.
Estou para escrever sobre este assunto há tempos. Mas urgência dos dias me impediu. Não que eu considere que tudo deva ser moroso, não. Aquilo que, de alguma forma, possa facilitar a vida do homem, sem que traga más conseqüências maiores do que os seus benefícios, é válido. Falo aqui do que realmente importa. Li outro dia uma frase que achei interessante: “A vida exige mais compreensão do que conhecimento.” É disso que falo.
Sêneca me pareceu ter essa compreensão. Uma de suas frases de “Da vida feliz” (De vita beata) diz o seguinte: “Realmente não é fácil atingir a felicidade, porque, se alguém desviado do caminho se precipita para alcançá-la, fica sempre mais afastado da felicidade. Correndo em sentido contrário, a nossa própria pressa torna-se a causa de um contínuo distanciamento.”
O amor exige calma e paciência. A vida é para ser saboreada, contemplada. E não engolida.


Grande abraço,

GRANDE ENCONTRO DE SARAMAGO


Confesso que não gostava muito de Saramago. Achava-o arrogante. Não falo de seu estilo literário. Não li Saramago. Não o fiz por pura antipatia à sua pessoa. Dele apenas vi o filme inspirado em seu livro “Ensaio sobre a cegueira”, dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles. Muito bom. Poderia até ter me animado a lê-lo, mas não.
Bom, ele morreu. Sabemos que ele se dizia ateu. Porém, não havia lido também esta frase atribuída a ele: “Não sou um ateu total. Todos os dias procuro encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não encontro.” O que traz essa frase de diferente e animador: o “infelizmente”. Dizer “infelizmente” denota que gostaríamos que houvesse um outro desfecho que não esse. Entristecer-se por não encontrar um sinal de Deus, demonstra o real desejo de encontrá-lo. Santo Agostinho também tem uma frase: “Nada estará perdido enquanto estivermos em busca.” Isso vale para Saramago e sua busca diária.
Fui adiante na leitura das frases do autor e deparei-me com algumas bastantes interessantes. Refletem um pouco quem era Saramago, quem era “o homem atrás daqueles óculos”. Eis aqui algumas delas:

“Cada dia traz sua alegria e sua pena, e também sua lição proveitosa.”

O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas."

“Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos.”

“Há situações na vida em que já tanto nos dá perder por dez como perder por cem, o que queremos é conhecer rapidamente a última soma do desastre, para depois, se tal for possível, não voltarmos a pensar mais no assunto.”

“Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia a mais.”

Há uns dias atrás foi o último para Saramago aqui conosco. Mas talvez tenha sido também o primeiro, novo e diferente dia que para ele nasceu. Talvez a sua busca tenha encontrado um fim, o seu cansaço, um descanso; e suas dúvidas, respostas. Talvez tenha chegado para ele a hora da descoberta que sabia muito mais do que julgava.

Grande abraço,

O CEGO DE JERICÓ E IVETE SANGALO




Viajar de ônibus tem – como quase tudo na vida – vantagens e desvantagens. Uma das vantagens (que pode não ser para alguns) é justamente o convívio com o inesperado e inusitado passageiro comum.
Barra do Piraí – Santanésia é um trecho rápido. Demora-se mais esperando o ônibus no ponto - e como! - do que efetivamente no trajeto. Duas senhoras evangélicas conversavam sobre a Ivete Sangalo: Você viu – disse uma – a Ivete incorporando espírito em pleno palco? Não?! Coloca lá no youtube: Ivete endemoninhada e você vai ver. Pensei cá comigo: Tempos atrás quem poderia imaginar um diálogo desses? E começaram a falar sobre o Apocalipse, chips implantados, catástrofes. Enfim, o mundo tinha acabado antes mesmo de chegarmos ao fim da viagem. Mas, isso foi na ida.
Na volta um cego entra no ônibus juntamente com sua acompanhante e começa um discurso eloqüente, capaz de deixar corado muito orador de carteirinha: “Uma excelente boa tarde, senhoras e senhores! Permita-me uma pequena interrupção nesta breve viagem...”. E assim foi - enquanto a acompanhante distribuía uns cartõezinhos xerocados - o seu discurso pedindo auxílio evocando as dificuldades da sua situação. De repente – como diria o Poetinha – não mais que de repente, saca de dentro de sua roupa uma... latinha de Pomarola segura por um fio amarrado por pequenos nós em furinhos nas laterais. Tudo cronometrado. Moedas tilintaram. Lá se foram as minhas também.
Logo correlacionei aquele cego do ônibus com o bíblico de Jericó. “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Que queres que eu te faça?", perguntou o Senhor. Ora, alguns podem argumentar criticando obviedade: “Que pergunta?! É claro que o cego quer ver!” Será? Não creio que o Senhor tenha sido bobo ou, como querem alguns, cômico ao fazer esta pergunta. De fato, muitas vezes, nos agarramos às nossas limitações, às nossas “cegueiras” e fazemos delas uma forma de obtermos um certo carinho, uma especial atenção. Por isso, procede, sim, perguntar: Queres, de fato, ver? Ou preferes a escuridão, agarrado às suas muletas e apoios?
Conta-se que um mineirinho, no tempo dos réis, todos os dias passava por uma venda e, lá os bebedores colocavam diversas moedas na mesa. A menor tinha maior valor e a maior, menor valor. Chamavam o mineirinho e pediam para ele escolher. Ele sempre escolhia a maior (de menor valor). E todos riam aos baldes. Um dia, um cidadão virou-se para o mineirinho e disse: “Você não sabe que a moeda menor tem maior valor? Por que não a escolhe?” Ele respondeu: “Sei, sim, senhor. Mas, no dia em que eu escolhê-la, acaba a brincadeira e eu perco esse dinheirinho todos os dias.” Simples.
Temos que ter caridade. Sem dúvida! Temos também que lutar para que todos tenham dignidade. Emprego, educação, oportunidades, abrem os olhos da mente... e do coração.

Grande abraço,