quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O NÓ NA GRAVATA DE UM CERTO JOÃO BATISTA


Não sei bem por onde começar... Vez em quando as ideias me vêm como num quebra-cabeça... Diga-se de passagem: nunca fui bom com quebra-cabeças e, confesso, também, em dar nós em gravatas. Aliás, poderia fazer uma lista de coisas singelas em que não sou bom. Nem ao menos mediano! Mas não é isso que importa.
Por causa da minha profissão uso gravata. E já notei a diferença quando sou atendido e estou usando gravata, ou não. Uma pena... Uma gravata não diz muito sobre o que somos. Gilberto Gil afirma que: “Se eu quiser falar com Deus... Tenho que folgar os nós dos sapatos, da gravata, dos desejos, dos receios...”. Folgar os nós... dos sapatos. Logo a imagem me remeteu a João Batista dizendo que, de Jesus, ele não era digno de desatar as sandálias. Pensei, também, em Moisés escutando do Senhor: "Tira as sandálias dos teus pés, pois o solo que tu pisas é santo."
Tudo isso quis dizer para lhes contar o que me aconteceu: estava numa loja, num Shopping em Volta Redonda, sendo tratado como “senhor pra cá, senhor pra lá” (obviamente estava de gravata). De repente se volta para mim uma mulher, negra, uns 30 anos, com as pernas atrofiadas, de muletas e me pede: “Dá um laço no cadarço do meu tênis?”  Olhei nos olhos dela; eles sorriram. Ela não entenderia nada se lhe dissesse que eu “não era digno da dar um laço no seu tênis”. Ou se falasse de João Batista, Moisés, Gilberto Gil. Mas me senti assim: indigno – eu, com toda a minha mobilidade e acessibilidade, num mundo feito para alguns, não para todos; indo e vindo como me garante a Constituição – não era digno, de fato, de dar aquele laço. Mas dei. Lembrei-me do meu filho quando pequeno, no tempo em que o ajudava a dar laços para ir ao Jardim; recordei-me, também, do menino pobrezinho no Central, em Barra do Piraí, à margem do campo e das oportunidades, com a chuteira boquiaberta, chorando por não saber dar laços em cadarços esfiapados. Como temos, meu Senhor e meu Deus, cadarços em fiapos com os quais não conseguimos fazer laços em nossas vidas!
Preciso discordar de Gil: se eu quiser, de fato, falar com Deus, devo dar ainda muitos laços, mas não em "meus sapatos e gravatas"...
Deus é incomparavelmente bom e amoroso! Fala-nos muito mais ao coração do que aos ouvidos! Louvado seja Deus para sempre! Ah: e Ele sabe tudo de quebra-cabeças e de nós em gravatas...

Grande abraço,
Saulo Soares.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

PIRAHY, 03 DE SETEMBRO




Não se passa pela Serra das Araras
Sem o conhecimento de um tié-sangue,
Sem que um canto inunde o mangue e a Guanabara.

Nem por Arrozal, sem que no vento voe
Notas claras, belas e luzidias,
Ou pelos verdes olhos da Mata do Amador
Sem que a chuva denuncie, por lá, a cor dos dias!

Não se passa – cremos! – pelo Piraí,
Sem que um tucunaré seja um tucunaré a menos,
Sem que as curvas do seu leito
Tornem largo o estreito, perto o distante,
Novo o que foi desfeito.

Não se passa se a poesia
A atmosfera invade assim, de assalto,
E as doze palmeiras se enverguem do seu alto,
Saudando, respeitosamente, a primavera.
Não se passa sem que a tarde o dia vele,
Sem que, na linha da Capela de São Benedito,
O sol descanse e, aflito,
Um ipê-amarelo... amarele.

Foto: Capelinha de São Benedito, em Piraí (RJ). Fotógrafo: Alexandre Teixeira, Piraí (RJ).