domingo, 29 de março de 2009

O GOL



Nenhum sinal nos foi dado para que quando acontecesse acreditássemos, embora fosse algo tão previsível quanto a morte, quanto a vida. Passou por nós sem que a grande maioria sequer percebesse. É quase impossível descrever. Ai de mim! Talvez fosse necessário criar uma nova palavra, um novo idioma que o pudesse definir por completo. A princípio - como nesses filmes em que o mocinho se recusa a aceitar e admitir sua missão – relutei. Mas fui vencido e impelido a contar ao resto de nós o dia em que fomos redimidos de nossa frieza e desolação.
Saiu dos pés de um menino. Não, não dos pés, saiu da alma, como um grito, um parto, um hino de louvor e, então, sim, daí para os pés... descalços como os pés dos pobres que nos visitam e insistem em tirar as sandálias como se pisassem solo santo. Descalços e simples. Simples não por serem ordinários, mas por não serem compostos. Sim, porque os pés, o corpo, a bola, tudo era um só ser e quando ela (a bola) afastou-se dele - porque ele mesmo o quis e o fez! - ele o fez assim como uma mãe que lança o filho e o empurra em direção a sua mais íntima vocação. Em verdade ele a lançou sabendo que perderia algo de si em favor de muitos. E é precisamente aí, no desapegar-se de si e na entrega voluntária que se esconde o mistério do amor e a razão dessas linhas.
Aquele gol aconteceria mesmo se mil goleiros estivessem a defender... De fato, quando a bola entrou, fez-se um profundo silêncio, tal qual como se viesse à tona a verdade sobre nós e a última peça do quebra-cabeça se encaixasse revelando e reunindo a imagem. Foi tão belo que antigos poetas foram vistos andando por lá e a paisagem virou tela de um pintor renomado. O sol chegou mais perto e secou as lágrimas que trazíamos como pequenos segredos em nosso peito. Foi assim.
A essa altura o leitor poderia formular algumas interrogações: Mas, como pode um gol?... Que jogada mágica foi essa? De que forma nos redimiu? Os mais incrédulos diriam com desdém britânico: Just a goal. Bem, disse antes que era quase impossível descrever. Por essa razão não me prendi tanto a detalhes técnicos. Na realidade, para mim, isso é o que menos importa. Mas, devo reconhecer: preciso ser mais claro. Então, vejamos. Bem, lembra quando a bola entrou e fez-se o silêncio profundo? Pois então, naquele momento senti bater em meu peito um novo coração, sim, mais um, fiquei com dois corações(!) e escutei uma risadinha travessa como se alguém que estivesse escondido há muito tempo agora quisesse deixar-se encontrar. Virei-me daqui para lá e não encontrei o dono da risada. Meio atordoado levantei-me esbarrando num daqueles poetas antigos de que falei. Quase que ele caiu! Meu Deus! Se aquele verso não lhe estendesse a mão... Continuei a procurar e, desatento, manchei a camisa na tinta fresca da paisagem, daquele pintor que eu só chamei de renomado porque, na realidade, não sei pronunciar corretamente seu nome. Fui me limpar e acabei pintando de vermelho o meu nariz, como os dos palhaços. Foi aí que o dono da risada riu ainda mais, riu – como diria um amigo – que nem manteiga. A risada vinha do campo. O dono da risadinha era um dos jogadores! Entrei em campo. Tive medo e, quanto mais aumentava o medo, mais escuro ficava a ponto de eu não ver mais nada. Chorei. Foi então que o sol chegou mais perto e secou as lágrimas. Foi quando eu me vi frente a frente com ele – o menino dos pés descalços. Ele se parecia comigo quando eu era criança. Parecia-se também com meu filho. Ele não tinha coração no peito, em seu lugar algo como uma bola de futebol. Não tinha coração, não porque fosse mau, mas porque me havia dado o seu e, com ele, de volta, os sonhos que sonhei, os gols que quis fazer, o escritor e o herói que me imaginei. Ele me abraçou, deu-me um beijo e se foi. Foi assim.
Quem é esse menino? Sou eu menino, é você menino, é meu filho, seu filho... e somos redimidos de nossa frieza e desolação quando com ele nos encontramos. Não importa se na minha ou na sua rua, mas sempre onde dois ou mais estiverem reunidos em nome da paz, da família, da alegria, da amizade, do amor... e do menino.


Saulo Soares

DOIS CIGANINHOS





         Sede de sentido. É o título de um pequeno caderno – Ed. Quadrante - do Prof. Viktor Frankl, fundador da Logoterapia. Trata, obviamente, do sentido que “damos” à vida, especialmente à nossa vida. Diz ele que o sentido de nossas vidas não pode ser “dado”, mas somente encontrado. Não podemos criar um sentido, é preciso descobri-lo. Relaciona essa procura e descoberta com a felicidade. Ela – a felicidade - não é algo diretamente conquistado, e sim uma conseqüência dessa descoberta. Se encontrarmos o sentido, receberemos a felicidade como um efeito, um resultado desse encontro.
         Segundo Frankl há três experiências fundamentais para que isso aconteça: o amor a alguém, o serviço a um ideal e a aceitação do sofrimento inevitável em nome de algo maior. Olhando para essas três dimensões podemos chegar a uma conclusão: a felicidade, então, está... no outro. Não está em mim. Não está no ego. Não está no egoísmo. Está no outro. Talvez seja essa a grande conversão: do egoísmo para o amor. Não dessa para aquela religião, mas da conversão de um movimento interior centrípeto, voltado para si mesmo, para um movimento centrífugo, que foge do próprio centro e vai em direção ao outro.
         Disse isso por causa do Natal que se aproxima. È comum falar e escutar com saudosismo: perdeu-se o verdadeiro sentido do Natal... Como se nós nada tivéssemos com isso! Não estimulássemos esse consumismo desenfreado! Não contribuíssemos para a troca dos valores evangélicos por cifrões! Não fossemos, tantas vezes, avaros e pouco generosos... Culpados ou não, perdeu-se o sentido do Natal e é preciso reencontrá-lo.
         E o que o título desse pequeno artigo tem a ver com isso? Leia essa singela história que a seguir transcrevo e entenderás. Ela foi narrada por Urteaga e fala-nos de dois ciganinhos, um de dez anos, outro de cinco, famintos que, depois de várias tentativas, conseguem algum alimento: um pote de leite. Aqui começa o diálogo:
- Senta-te. Primeiro bebo eu e depois bebes tu.
         Dizia aquilo com ar de Imperador. O menorzinho olhava para ele, com seus dentes brancos, a boca semi-aberta, mexendo a ponta da língua.
         Eu, como um tolo, contemplava a cena. Se vísseis o mais velho olhando de viés para o pequenino! Leva o pote à boca e, fazendo gesto de beber, aperta fortemente os lábios para que por eles não penetre uma só gota de leite. Depois, estendendo o vasilhame, diz ao irmão:
- Agora é a tua vez. Só um pouco.
         E o irmãozinho sorve fortemente.
- Agora eu.
         Leva o pote já meio vazio à boca, e não bebe.
-Agora tu. Agora eu... Agora tu... Agora eu...
         E depois de três, quatro, cinco, seis goles, o menorzinho de cabelo encaracolado, barrigudinho, com camisa de fora, esgota  o leite. Esses “agora tu”, “agora eu” encheram-me os olhos de água! É assim...que temos de nos amar.”
         Jesus nasceu em Belém, que quer dizer “Casa do Pão”, lugar apropriado para nascer o Pão da Vida, Aquele que se faz alimento para nós. Sejamos também “alimento e vida” para nossos irmãos e, quem sabe, descobriremos o verdadeiro sentido de viver. O verdadeiro sentido do Natal.

         Feliz “redescoberta” do Natal!

Saulo Soares


CINEMA



Vi em seus olhos um filme
Onde as casas tinham seu nome,
Os dias tinham seu nome
E à noite sempre saías.


Vi, da varanda dos seus olhos,
Um cinema onde as cores tinham seu nome,
E a fotografia
Deixava beijos à espera.


Vi, nos quintais da sua retina,
O amor em cartaz,
As notas musicais terem seu nome
Que o mundo entende.


Vi, no fim da fita da tarde,
Seu nome que arde na boca: The end.




Saulo Soares

sábado, 21 de março de 2009

POEMA DO AMIGO



Por um cordão umbilical imaginário
Fizemo-nos irmãos na vida.
Pedra por pedra, a casa que acompanha nos caminhos.

Fizemo-nos distantes,
Sem nos tornarmos sozinhos,
Nos versos que a saudade recita.

Dê cá um abraço que eu enlaço minha alma na sua,
E vê se me advinha um pensamento,
Pois os seus passeiam desatentos
Pela calçada da minha rua.

Por um cordão umbilical imaginário
Fizemo-nos irmãos na vida.
Pedra por pedra, a casa que acompanha nos caminhos.

Feito o rio e sua margem,
Tal qual o deserto e a miragem,
Assim como a chegada e a partida.



Saulo Soares

NÃO PERDOE CEDO DEMAIS



Este é o título de um interessante livro da Verus Editora. Os autores afirmam que o perdão é um processo com estágios bem definidos: negação (não admito estar magoado), raiva (a culpa é do outro), troca (somente vou perdoar se...), depressão (por que isso aconteceu comigo? É minha culpa!) e aceitação (finalmente aceito o fato de que posso e devo perdoar, tirando lições de todo o processo). Segundo eles, é preciso passar por estes estágios para que se consolide e dê frutos o perdão. Pular etapas, perdoar antecipadamente, sem uma boa reflexão, não seria lá muito indicado. O Papa João Paulo II tem uma frase de que gosto muito: “Não há paz sem justiça. Não há justiça sem perdão”. Notadamente nós correlacionamos a justiça com a punição, porém devemos estabelecer a mesma relação com a absolvição, com o perdão. Repare que o Papa coloca numa ponta da frase a paz e na outra o perdão. No meio, a justiça, bem parecido com a conhecida figura da balança. De fato para se obter a paz há que se perdoar. Etimologicamente a palavra perdoar – perdonare – significa doar-se além, perpassar a si mesmo em uma doação, per doar. Conheci uma pessoa que dizia que a palavra perdão não estava em seu dicionário. Triste pessoa. Ela também deveria riscar a palavra paz do seu vocabulário.
Nossa natureza parece estar mais afeita à vingança, do que ao perdão. Exige reparação dos “danos”, normalmente em proporção maior do que o mal que nos foi feito. Isso lá é justiça? Porém o interessante é que mesmo a vingança não nos satisfaz por completo. Ainda fica algo a se resolver, ou o medo de uma represália nos torna reféns da situação, inseguros e apreensivos. Carregamos esses fantasmas cheios de correntes por onde andamos. Ficamos presos a quem não perdoamos, dormimos com o inimigo. Dormimos mal.
Então, o que fazer? Parece que o bom senso nos pede para perdoar e seguir nosso caminho livre. Com efeito, perdoar é libertar-se. Mas não é fácil... Há quem diga que perdoa mas não esquece. É fato. O ato de perdoar não apaga as lembranças, é verdade. O Catecismo traz uma saída de mestre para o caso: perdoar não apaga a memória, mas purifica a lembrança. Ou seja, perdoando, cada vez que me lembrar do fato já não me valho do ressentimento e sim da intercessão. Não fico ressentindo o mesmo mal, recordo-o e, aos poucos, a raiva se torna oração pela pessoa que me ofendeu e por mim mesmo. Uma cura. Aliás, o Sacramento da Confissão ou Reconciliação para a Igreja está incluso nos sacramentos de cura! Ele – o Catecismo – diz: o perdão inaugura a cura. A ciência, se por um lado já aceita os benefícios da fé e da oração para o ser humano, também aponta doenças e malefícios oriundos dos maus sentimentos, das emoções negativas, dos rancores e do ódio. Ou seja: o bem faz bem, o mal faz mal. Elementar. Perdoar é um caminho possível, mas, com certeza, um caminho de subida...
Resolvi escrever sobre o perdão por causa das Cinzas e do Carnaval. Dizem que no Brasil o ano, as coisas só começam depois do Carnaval. Lembrei-me de uma frase: “Ao orar, começa perdoando”. Que tal começar o nosso “ano brasileiro” perdoando e traçando um novo caminho, mais livre e em paz consigo mesmo e com os outros? Faça um bem a si mesmo. Dê a si mesmo essa nova chance. Dê aos outros uma nova chance. Como diz a canção: Give peace a chance! (Dê uma chance à paz!).
O subtítulo daquele livro, Não perdoe cedo demais, é: estendendo as duas mãos que curam. Eu mudaria para: Não perdoe cedo demais... mas, perdoe.
Um grande abraço,
Saulo Soares

TRÊS CENTAVOS



Talvez você não se lembre, ou não seja da sua época, porém, havia um quadro no Programa Sílvio Santos com o seguinte formato: uma pessoa numa cabine, com os ouvidos totalmente tapados. Sem que nada escutasse, o apresentador lhe fazia propostas às quais deveria responder “sim” ou “não”, surdamente. Era comum, por exemplo, trocar um carro zero por um cacho de bananas! Do lado de cá da telinha pessoas se compadeciam ou escarneciam, deliciavam-se dizendo de boca-cheia o seu “bem-feito” ou lamentavam-se piedosamente, de acordo com a sua índole. Cruel, mas verdadeiro.
Outra lembrança: Hardy, a hiena chorona, uma personagem de desenho animado interessantíssima. Não obstante as hienas sejam conhecidas por suas “gargalhadas” sem um flagrante porquê – o que seria motivo para serem tidas como incorrigíveis otimistas – Hardy era – num óbvio paradoxo - uma pessimista sindicalizada. Tinha um chavão: “Ó Vida! Ó azar!”. Tudo para ela estava ruim e, se não estava ainda, com certeza, logo ficaria. Lembro-me de um episódio em que ela e seu parceiro, o leão Lippy, perdidos em alto-mar, avistam uma ilhota e, de pronto, Hardy sentencia: “Ó vida! Ó azar! Deve estar cheia de canibais! ”.
Meus amigos, participei pela primeira vez como candidato a vereador em Piraí. Tive a oportunidade de conhecer melhor o município e melhor conhecer as pessoas. Quero registrar aqui o meu sincero agradecimento à todos os que votaram em mim e, também àqueles que não votaram, mas que o fizeram de forma consciente, que souberam, com sua honradez e espírito de cidadania, contribuir com o processo democrático. Meu muito obrigado!
Como diz John Maxwell: “Na vida ou se ganha, ou se aprende”. Considero, particularmente, o aprendizado uma vitória. Aprendi que uma eleição pode ser feita mais com cimentos e tijolos do que com idéias e compromissos. Aprendi, também, que nem sempre é assim. Aprendi que nem todos se deixam levar e não trocam, como no episódio bíblico, “a benção por um prato de lentilhas”. Aprendi, também, que há pessoas cansadas de uma política apequenada e baseada em favores pessoais. Homens e mulheres que não somente sonham, mas lutam. Aprendi que uns tantos se vendem, antes, durante e depois. Que uns poucos compram. Aprendi que, tantas vezes, apertos de mãos não dizem nada ou dizem exatamente o contrário do que querem dizer. Que uma eleição pode se ganhar ou se perder no dia. Aprendi que muitos de nós perdemos a esperança e que outros tantos a erguemos heroicamente. Aprendi que devemos continuar a lutar pelos nossos ideais, não obstante muitos os considerem ingênuos e utópicos. Aprendi e sou muito grato pela oportunidade.
E o que tudo isso tem a ver com o Silvio Santos e a hiena? Simples. Não se toma decisões importantes fechando os ouvidos à verdade, à voz da razão, valendo-se de uma surdez seletiva, apoiando-se em desculpas temporais, capengas, sob pena de nos tornarmos uma hiena chorona por longos quatro anos.
Digamos que, hipoteticamente, vejam lá! – hipoteticamente, eu disse! - alguém vendeu seu voto para vereador no “mercado eleitoral” por R$ 50,00. Sabendo-se que esse voto vale por quatro anos, ou seja, 1460 dias, tal pessoa obteve pelo seu voto a “vultuosa quantia” de R$ 0,03 ao dia!!! Por motivos diversos trocou a oportunidade de fazer valer sua opinião e deixou-se levar pela tentação do imediatismo e da “Lei de Gérson”. Votou em candidato desonesto. Sim, porque quem compra votos age desonestamente e quem vende, também. Se o candidato agiu tal forma durante e campanha, agirá, também, de forma igual ou pior caso eleito. O eleitor trocou uma oportunidade única por um... “cacho de bananas”. A título de comparação, o salário de um vereador em Piraí será em 2009 de R$ 4.644,01 mensais, ou seja, R$ 154,80 por dia.
Não se trata aqui de um desabafo ou de um amargor de quem não foi eleito. Não. Trata-se, fundamentalmente, de uma reflexão, a qual concluo com uma exortação à esperança. Como diz o poeta, cada novo dia em nossa vida é como uma “folha nova de um velho caderno”. Cabe a nós o que nele escrever. Temos escolha e como diria Confúcio:”Não corrigir os erros é o mesmo do que errar novamente”. É preciso refazer o caminho e crer que a mudança começa em nós. Que uma longa jornada é feita passo-a-passo.
A primavera é uma estação associada à vida nova, à esperança. É do poeta cubano Sylvio Rodriguez o belo verso: “Meu amor não aceita fronteira como a primavera não escolhe jardim.”

Escolhamos, pois, ser primavera, não nos importando qual jardim floresceremos em nosso caminho.
Um grande abraço,
Saulo Soares

RUMINAR O IMPONDERÁVEL (Uma vez Flamengo...)


Raras são as vezes em que perco a costumeira noção da minha fraqueza e debilidade. Uma delas é, certamente, num gol do Flamengo. Algo acontece no metabolismo dos meus sentimentos. Minha voz assemelha-se à de um Viking e meu semblante toma ares de uma altiva realeza. Ah, o Flamengo... Capaz de fazer aflorar tantas emoções... O Flamengo de minha infância, do Zico, Adílio, Leandro, Nunes, Júnior e tantos outros. Dos gols acompanhados pelo radinho de pilha, do fone “egoísta”, do tamborim ao fundo, pela manhã, no bate-papo dos analistas, do canal 100...
Creio firmemente que os gols do Flamengo estejam, todos, do original ao derradeiro, escritos num livro secreto e místico e que, a cada gol marcado, realiza-se, cumpre-se uma profecia milenar. Cada gol é único. Um levante popular, legítimo, contra a tirania da tristeza e boçalidade. De fato, parafraseando o “poetinha”: “... que me perdoem os outros, mas o Flamengo é fundamental”.
Alguns poderão argumentar: o futebol existia antes do Flamengo! Pois, pois. De fato. Ora, mas o que existia antes não era propriamente futebol. Era uma forma incipiente do esporte, diríamos, uma larva futebolística, um Flamengo em potencial. O Flamengo nasceu para dar plenitude ao futebol, para sublimá-lo.
O Flamengo ultrapassa o limite do convencional e científico. É metafísico, transcendente, espiritual. Não se pode analisar os jogos do Flamengo de uma forma meramente humana, sob a ótica da tática ou da técnica, ou algo do tipo. É preciso ir além. Romper as barreiras do visível e enxergar o que há de absoluto e verdadeiro. É preciso ruminar o imponderável.
Em verdade, em verdade vos digo, existem, em todo o universo, apenas dois times: o Flamengo e os que não o são. Quem não é Flamengo – pena e comiseração aos infiéis! - é contra o Flamengo e ponto final. Não se admite simpatia pelo Flamengo, nem o Flamengo é o segundo time de ninguém. Ama-se ou odeia-se. Esta sentença é intrinsecamente e explicitamente irrevogável e sua validade dura para sempre. Ad etaernum.
Mas devo confessar... Tenho uma única inveja do outro time: a visão que eles tem das arquibancadas lotadas pela incontável torcida do Flamengo. Nós, inseridos na imensidão rubro-negra, não temos a privilegiada visão a, como diria o sambista, “maravilha de cenário” que têm os outros, de os deixar boquiabertos, babando. Numa expressão utilizada por Nelson Rodrigues: ..”pendendo dos lábios aquela baba elástica e bovina”. Por sinal, é dele, Nelson Rodrigues, um tricolor, um dos mais belos textos sobre o Flamengo:
“...Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte:- quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas, tremem, então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável."

Viram, só? Depois dessas palavras, só me resta bradar, em louvor, um hino, um canto de amor e fidelidade: Uma vez Flamengo, sempre Flamengo...


Saudações rubro-negras,
Saulo Soares.