sábado, 21 de março de 2009

RUMINAR O IMPONDERÁVEL (Uma vez Flamengo...)


Raras são as vezes em que perco a costumeira noção da minha fraqueza e debilidade. Uma delas é, certamente, num gol do Flamengo. Algo acontece no metabolismo dos meus sentimentos. Minha voz assemelha-se à de um Viking e meu semblante toma ares de uma altiva realeza. Ah, o Flamengo... Capaz de fazer aflorar tantas emoções... O Flamengo de minha infância, do Zico, Adílio, Leandro, Nunes, Júnior e tantos outros. Dos gols acompanhados pelo radinho de pilha, do fone “egoísta”, do tamborim ao fundo, pela manhã, no bate-papo dos analistas, do canal 100...
Creio firmemente que os gols do Flamengo estejam, todos, do original ao derradeiro, escritos num livro secreto e místico e que, a cada gol marcado, realiza-se, cumpre-se uma profecia milenar. Cada gol é único. Um levante popular, legítimo, contra a tirania da tristeza e boçalidade. De fato, parafraseando o “poetinha”: “... que me perdoem os outros, mas o Flamengo é fundamental”.
Alguns poderão argumentar: o futebol existia antes do Flamengo! Pois, pois. De fato. Ora, mas o que existia antes não era propriamente futebol. Era uma forma incipiente do esporte, diríamos, uma larva futebolística, um Flamengo em potencial. O Flamengo nasceu para dar plenitude ao futebol, para sublimá-lo.
O Flamengo ultrapassa o limite do convencional e científico. É metafísico, transcendente, espiritual. Não se pode analisar os jogos do Flamengo de uma forma meramente humana, sob a ótica da tática ou da técnica, ou algo do tipo. É preciso ir além. Romper as barreiras do visível e enxergar o que há de absoluto e verdadeiro. É preciso ruminar o imponderável.
Em verdade, em verdade vos digo, existem, em todo o universo, apenas dois times: o Flamengo e os que não o são. Quem não é Flamengo – pena e comiseração aos infiéis! - é contra o Flamengo e ponto final. Não se admite simpatia pelo Flamengo, nem o Flamengo é o segundo time de ninguém. Ama-se ou odeia-se. Esta sentença é intrinsecamente e explicitamente irrevogável e sua validade dura para sempre. Ad etaernum.
Mas devo confessar... Tenho uma única inveja do outro time: a visão que eles tem das arquibancadas lotadas pela incontável torcida do Flamengo. Nós, inseridos na imensidão rubro-negra, não temos a privilegiada visão a, como diria o sambista, “maravilha de cenário” que têm os outros, de os deixar boquiabertos, babando. Numa expressão utilizada por Nelson Rodrigues: ..”pendendo dos lábios aquela baba elástica e bovina”. Por sinal, é dele, Nelson Rodrigues, um tricolor, um dos mais belos textos sobre o Flamengo:
“...Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte:- quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas, tremem, então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável."

Viram, só? Depois dessas palavras, só me resta bradar, em louvor, um hino, um canto de amor e fidelidade: Uma vez Flamengo, sempre Flamengo...


Saudações rubro-negras,
Saulo Soares.

4 comentários:

  1. Saulo, boa tarde.

    Realmente um texto incrível, pena que só li agora depois da fatidica partida de ontem. Pena que a camisa já não pese tanto...
    Um grande abraço!

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  2. Saulo, admiro muito o seu talento. Engraçado que quando comecei a leitura me veio o Nelson Rodrigues a cabeça, imaginando que ele gostaria de ler essa crônica, logo abaixo vejo que você o citou, interessante. Outro escritor antigo, José Lins do Rego, flamenguista, também gostaria de ler esse texto. Meu pai, foi um grande incentivador seu, pois enxergava seu talento, mesmo em sua juventude, adoraria com certeza, enfim adorei e o Flamengo é issso tudo e mais, e nós nunca desistimos dessa paixão!

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  3. De arrepiar!
    Do início ao fim...
    Parabéns e abração Rubro-Negro.

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