quinta-feira, 12 de julho de 2012

D. HIA


Sempre sorrindo, curvada como nas saudações nipônicas, D. Hia esbanja disposição. Recebe pensão lá no Banco. Por vezes a vi disputar (e vencer!) o que chamava de Grand Prix Aposentados e Pensionistas, circuito que vai da porta de entrada aos guichês de caixa. Diga-se de passagem: sem parar nos boxes!
            Quando implantaram a fila única, enquanto os demais concorrentes faziam a volta de apresentação, seguindo os limites das linhas, D. Hia cortava caminho. Antes mesmo de cruzar a linha de chegada já fazia gestos do que desejava: se o espelho do pagamento, numa mímica mesclada com coreografia, colocava a mão em frente ao rosto; se conta de luz, apontava para as lâmpadas; e assim vai D. Hia. Vai ou foi? Foi ou ia? Sei não...
            Maldosos, alguns, dizem que D. Hia deveria chamar-se D. Foi. A meu ver: D. Hia-fingiu-que-foi-mas-não-foi. Explico: sempre ao receber seu pagamento cumpre um ritual de trocados e trocadilhos com as notas. Pergunta se tantas dessas equivalem a tantas daquelas e... finge que vai. Volta e pede para trocar a de mil por duas de quinhentos e... finge que vai. A de quinhentos por cinco de cem e... finge que vai. Permita-me o leitor simplificar o nome de D. Hia para D. Hia Ioiô.
            Há poucos dias, ao fim do expediente, fui à Rodoviária para comprar umas revistas. Lá estavam, ela e sua filha, sentadas em frente ao embarque. Quem pensou que D. Hia ia, enganou-se. Era dia chuvoso e ofereceu-me sua sombrinha. Respondi (feito ela) imitando com gestos um volante nas mãos. Entendeu, sorriu e ficou a esperar o ônibus em que não viajaria. Lembrei-me não ser a primeira vez que a vejo neste mesmo horário no embarque.
            D. Hia foi a Banco com curativos nos braços e, no rosto, arranhões e mercúrio cromo. Falou-me, rouca, que havia caído na rua próxima a da padaria.  Disse-lhe algumas palavras de consolo e animação, despediu-se e, desta vez... foi. Não queria espelho, saldo, pagamento. Desejava apenas compartilhar um pouco de sua vida. Dias passaram e ela voltou, triunfal e sorridente. É... D. Hia Iaiá!
            Confesso que gosto de D. Hia e, por mais que vá prefiro sempre que volte.
P.S.: Finalmente D. Hia embarcou naquele ônibus. Destino: Eternidade.

Um comentário:

  1. Lindo texto, puro e bom. D.Hia, sempre a nossa frente, minha primeira professora.Publica no grupo da Ligth, muitos vão gostar. beijos...

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