terça-feira, 27 de abril de 2010

AOS PÉS DA MINHA ÁFRICA


Uma das mais influentes personalidades americanas é negra e mulher. Oprah Winfrey. Apresentadora de um programa de TV assistido em quase todo mundo, é dona de uma inteligência e sagacidade incomuns. Tive a oportunidade de assisti-la conduzindo uma entrevista com Mike Tyson. Ela tem a capacidade de fazer as perguntas mais “incômodas” de uma forma, diríamos, “confortável” para o entrevistado. Recentemente recebeu a atriz Kristie Alley. Kristie ganhou peso de forma excessiva e sua batalha pelo emagrecimento transformou-se num reality show exibido em rede nacional. Ela revelou que o que a inspira a lutar é o poema Invictus, de autoria do inglês William E. Henley, que, conforme afirmou, manteve de pé Mandela nos seus longos 27 anos de prisão. E, juntas, Oprah e Kristie, recitaram de cor os versos finais: [...] Por ser estreita a senda – eu não declino/ Nem por pesada a mão que o mundo espalma; / Eu sou o dono e senhor do meu destino;/ Eu sou o comandante de minha alma.”
Mandela, de fato, é um grande homem. Um dos maiores que a nossa geração teve a oportunidade de conhecer. Após sofrer e ver seu povo sofrer tantas injustiças e violências, não se deixou levar pelo ódio e pela vingança. Ao contrário, uma das primeiras medidas do seu governo foi a Comissão Verdade e Reconciliação. Um tribunal moral, sem possibilidades de punição, onde testemunhos de diversas pessoas, de lados opostos, contribuíram para o nascimento de uma nova nação, onde a força da verdade se fez libertação, como no verso bíblico: “... e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!”
Tudo isso me fez lembrar outro poema, Aos pés da minha África, de Léopold S. Senghor. Diz o seguinte:

Aos pés da minha África,
Crucificada há quatrocentos anos,
Mas que ainda respira,
Deixa-me dizer-Te, Senhor,
A sua prece de paz e perdão.
Senhor Deus, perdoa a Europa branca!
Porque é preciso exatamente que Tu perdoes
Àqueles que caçaram meus filhos
Como a elefantes selvagens.
Porque é preciso exatamente que Tu esqueças
Aqueles que exportaram dez milhões de filhos
Nos leprosários de seus navios,
Que eliminaram duzentos milhões deles.
Senhor, o gelo de meus olhos se dissolve,
E eis que a serpente do ódio
Ergue a cabeça em meu coração,
Aquela serpente que eu julgava morta.
Mata-a, Senhor,
Porque eu devo prosseguir o meu caminho.



Somos todos irmãos, filhos de um mesmo Pai, de uma única raça: a raça humana.


Grande abraço,

terça-feira, 13 de abril de 2010

VINDE, BENDITOS DE MEU PAI!


Meu pai nasceu muito pobre. Foi adotado por um casal que, além dele, cuidou de mais 16 crianças carentes. Ele contava histórias da bondade dos meus avós para com todos, inclusive com os animais. Meu avô, Lao Monteiro de Carvalho, aposentava seus animais em gratidão aos serviços prestados. Belo exemplo!
Transcrevo, emocionado, a carta de meu pai aos seus, por ocasião da Páscoa de 1955, publicada no O NORTE FLUMINENSE, de Bom Jesus do Itabapoana.

“Mariana, Páscoa de 1955 – Queridos Papai e Mamãe – Salve Cristo Ressuscitado!

Não poderia eu permitir passasse esta festa cristã, tão significativa para nós, sem externar ao senhor e à mamãe os meus votos de santa e feliz Páscoa. A Páscoa é geralmente tomada como uma lembrança viva das vitórias de Cristo sobre as forças infernais. E deste pensamento surgem inúmeras conclusões que mexem profundamente com todo o nosso ser, com nossos sentimentos todos. Cristo venceu. Cristo ressuscitou.
Sua vitória, porém, não foi fácil. Antes, exigiu os mais ingentes sacrifícios, a mais imunda e negra das ingratidões, padecimentos tais, que tiveram fim numa cruz erguida entre vaias e apupos. Só a figura de Judas, indecisa e traidora, é suficiente para enegrecer todo este quadro, já por si mesmo tão escuro e repugnante. É bom notar que a vitória de Cristo não é uma vitória somente sua, mas também nossa. Foi por nós que Ele se entregou, morreu e ressurgiu (Rom V – 9; IV-25).
É justo, pois, que repetidas vezes a Igreja jubilosa convide seus filhos à verdadeira alegria. Já temos de novo permissão para entrar no Paraíso e gozar de Deus eternamente. Mas se Cristo com seu sangue nos abriu a porta do céu, Ele quer que caminhemos até lá, que cumpramos em nós, como diz S. Paulo, o que faltou à sua paixão (Col. I-24). E à paixão de Cristo faltou apenas a colaboração nossa: a Fé, a Esperança e a Caridade. Crer, confiar e observar os mandamentos. E destas virtudes a maior é a caridade. Se, porém, ela sozinha não supre as condições anteriores, coopera eficazmente para sua consecução. A caridade ocupa as passagens mais vivas, humanas e divinas da Bíblia. O amor ao próximo será a moeda com que um dia Cristo reconhecerá em nós filhos adotivos de Deus, irmãos e co-herdeiros seus: “Vinde benditos de meu Pai...pois tive fome e me destes de comer, estava sedento e me destes de beber, estava nu e me vestistes, doente e me visitastes.” E ante nossa admiração e desconcerto, Ele confirmará suas palavras: “Em verdade vos digo que todas as vezes que fizestes isso ao menor de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mat. XXVI-34-41). É aqui, meus pais, que eu queria chegar. Não podia desejar-lhes uma feliz Páscoa sem antes demonstrar que de tal são merecedores. “Sempre que o fizeste isto ao menor dos meus irmãos foi a mim que o fizestes.” Muitas vezes Cristo foi alimentado, vestido, tratado com bondade e carinho neste lar onde a providência divina me colocou. Mais de dezesseis pobrezinhos que sofriam, talvez fome e frio, foram pelo senhor e pela mamãe acolhidos e amparados. Jesus, que é fiel em suas promessas, há de conceder os meios para que um dia consigam a felicidade eterna. E então, ao ouvirem as consoladoras palavras – “Vinde, benditos de meu Pai” – verão realizados os votos de feliz e santa Páscoa, que agora lhes desejo de todo o coração.
O filho sempre grato. CYRO MONTEIRO.”