domingo, 28 de março de 2010

VERMEBILE E FITAFUSO


            Há algum tempo ouvi – da interpretação conjunta dos textos bíblicos “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança e “Amai o próximo como a ti mesmo” - a seguinte conclusão: “Deus nos fez  semelhantes a Ele e, próximos uns dos outros.
            Antonio Carlos Santini escreveu interessante artigo intitulado “Admirar o próximo” – Jornal O Lutador – 1º a 10 de janeiro 2010 – onde faz-nos perceber o quanto é difícil valorizar o irmão que está ao nosso lado, o “próximo mais próximo”. Preferimos admirar o “próximo mais longe”. Ele diz que: “Exatamente por serem distantes, só vemos a aura luminosa que a propaganda nos transmite ao seu respeito. Mesmo quando se revestem de graves fragilidades [...] fechamos os olhos para os seus vícios e defeitos para simplesmente, ad-mirar... Já o nosso próximo... Pobre do nosso próximo.”.
            “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, de C.S. Lewis, da Editora Martins Fontes. O autor imagina as missivas expedidas por um diabo adulto, Fitafuso, a seu sobrinho, Vermebile, ainda um aprendiz na “arte” de tentar e desviar o homem do “Inimigo”. Entenda-se, aqui e onde quer que seja, Deus, por inimigo dos demônios.
            Fitafuso vê o homem como seu “paciente” – como se a bondade, o amor e a fé fossem terríveis doenças a serem curadas – e, também, o “humano” como um ser composto de círculos concêntricos.
            Pois bem. Para corroborar o que disse Santini e reafirmar que Deus nos fez próximos para, sim,  podermos nos amar e nos ajudar, transcrevo abaixo a técnica diabólica ensinada por Fitafuso – o tio diabo - ao inexperiente e atrapalhado Vermebile, para afastar-nos do que realmente interessa:

“O que quer que você faça, sempre haverá alguma benevolência, assim como alguma animosidade, na alma do seu paciente. O melhor a fazer é voltar a animosidade para os semelhantes mais próximos, aqueles que ele encontra todos os dias, e voltar a benevolência para um círculo mais distante, para as pessoas que ele não conhece. Desse modo, a animosidade torna-se completamente real e a benevolência, em grande medida, imaginária. Não há nenhuma vantagem em inflamar o ódio que ele sente pelos alemães se ao mesmo tempo o pernicioso hábito da caridade cresce entre ele e a mãe, o chefe ou o homem que ele encontra no trem. Imagine seu homem como uma série de círculos concêntricos, sendo que o central é a sua vontade, o seguinte o seu intelecto e o exterior a sua fantasia. Não adianta alimentar a esperança de eliminar de todos os círculos tudo aquilo que lembre remotamente o Inimigo (Deus), mas você deve continuar jogando para cada vez mais longe do centro todas as virtudes, até que finalmente fiquem localizadas no círculo da fantasia, e todas as características desejáveis fiquem no círculo da Vontade. Somente quando alcançam a Vontade, e lá se materializam como hábitos, é que as virtudes são fatais para nós.”

            Quem diria, hein?! Não, amigo leitor, o Inferno não é passar a eternidade procurando uma vaga para estacionar no Centro; ou tentando abrir saquinhos plásticos de supermercados. Não. E, não somente com rabos e chifres deveriam ser representados os demônios. Caberia acrescentar um belo terno italiano, sapatos alemães, charuto cubano à boca, óculos pince-nez e, ao fundo, diplomas de graduação, pós-graduação, Mestrado e Doutorado em comportamento humano.
Grande abraço,


Saulo Soares.

MAIO


Não sei se por vaidade,
À beira daquela estrada,
Nasce nestes dias,
Um capim em tom grená.

Que na velocidade,
A paisagem oscilada
É feito uma miragem (pincelada)
Num deserto que não há!

Meados do mês de maio,
Na bela estrada, quem me dera ter você...
Ter assim: como um desmaio de primavera
Num outono que não se vê!

IRMÃOSDADAS



Irmãosdadas sonhamos,
Quisera irmãosdadas iremos,
Tão dados que nem saberemos
Distinguir a minha da sua mão.


Feito Irmão Sol, Irmã Lua, Irmã Luz,
Banhados no mesmo sangue,
Alegres no mesmo peito, pregados à mesma Cruz.

Irmãosdadas seguiremos,
Vez em quando distantes,
Vez em sempre amantes de um mesmo amor infindo.
Filhos de um mesmo ventre,
Flor, fruto, semente,
Rima, imã, irmã.

Irmãosdadas te amo,
Unidos feito siameses.
E, de tanto amor assim sentindo,
Como os dias, bebo os anos,
Respiro os meses.

terça-feira, 16 de março de 2010

A INVISIBILIDADE DO ÓBVIO



É de Nelson Rodrigues a afirmação de que o óbvio é invisível. Dizia isso em relação aos lances claríssimos de falta,  pênalti, cometidos nas barbas do árbitro que, inexplicavelmente, não “via”, não soprava o apito.
            Entretanto, cada um tem sua forma de enxergar as coisas. De Stanislaw Ponte Preta, contam que, em tenebrosas épocas, foi obrigado a se desdizer. Ele afirmara que metade da Câmara era corrupta. Então o fez: “Metade da Câmara não é corrupta.” Vejam só! Desdisse e tudo ficou do mesmo jeito. Um copo está meio cheio ou meio vazio? Depende... da sede.
            Belíssima explicação foi a de um Bispo a um não crente que questionou sobre como, na Eucaristia, poderia estar o Corpo de Cristo, sendo que o corpo era muitas vezes maior que o pedacinho de pão e, de como ele estaria presente tanto neste pedaço de pão como em outro ao mesmo tempo. O Bispo respondeu – como bem sabem fazer os judeus – com outra pergunta: “O que é maior: os olhos ou a paisagem? A pupila e a retina ou aquela montanha? No entanto, a montanha “cabe” dentro dos olhos”. E, sobre a concomitante presença de Cristo em vários pedacinhos de pão, argumentou: Se nos colocarmos diante de vários pedacinhos de espelho, não teremos nossa imagem refletida inteiramente em cada um deles?”.
            Deus, a quem alguns chamam de “acaso”, meus amigos, é o óbvio invisível e ululante. É tão clara a sua presença em nosso meio que chega a ofuscar! O livro da Sabedoria tem páginas belíssimas sobre esse tema: “... pois é a partir da grandeza e beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu autor []... se eles possuíram luz suficiente para perscrutar a ordem do mundo, como não encontraram eles mais facilmente Aquele que é o seu Senhor?” (Sabedoria, 13).
            O que não se vê, mais do que invisível, pode se tornar temido. Talvez, por isso, muitos tenham medo de Deus. Porém, não necessariamente... É atribuída a Joaquim Nabuco a seguinte frase: “A força do desconhecido está em que ele não se presta à comparação.” Deus, invisível, fez-se invisível na pessoa amorosa do Filho. “Senhor, disse-lhe Filipe, mostra-nos o Pai e isto nos basta.” Respondeu Jesus: “Há tanto tempo que estou convosco e não me conheces, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai.” (Jo, 14,8).

            Para fechar com bom humor e, para mostrar que facilmente nossos olhos podem ser levados para longe do foco que realmente interessa (como o mundo pode desviar-nos o olhar de Deus), mais uma do Sr. Stanislaw: Uma velhinha atravessava diariamente a fronteira com um saco de areia na garupa e uma moto. O guarda olhava, vistoriava, abria o saco e nada. Depois de vários dias o policial virou-se para ela e disse: “Sei que a senhora está contrabandeando alguma coisa. Pode me dizer. Não vou prendê-la”. Ela, diante dos insistentes pedidos do oficial, disse: “O senhor não vai mesmo me prender?”. “Não. Pode ficar tranquila. Agora, diga: O que a senhora contrabandeia? Ela respondeu: “Moto”.

NEM POR UM MILHÃO



Dizem que um repórter, ao ver Madre Teresa cuidar das feridas de um mendigo, virou-se para ela e disse: Não faria isso nem por um milhão! Ao que ela, serenamente, respondeu: Nem eu. Magnífica resposta! Daquelas do tipo: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus; ou, ainda: quem não tiver pecado atire a primeira pedra. Emudece o interlocutor, põe um ponto final. Touché!
Fica claro que Madre Teresa não fazia aquilo por dinheiro. Era o amor que a movia. A moeda dos que amam é o amor, pois é ele quem dá valor aos atos. São Paulo nos recorda isto quando assevera: “Se não tivesse amor de nada valeria.”
Creio ter sido uma decisão acertada a escolha do tema “Economia e Vida”, e do lema: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Mt, 6,24), para a Campanha da Fraternidade 2010. Interessante Jesus não colocar como opositor direto a Deus a figura do diabo e, sim, o dinheiro. A forma que Ele escolheu foi muito mais tangível, pontual. Não ficou na esfera etérea e cheia de nuvenzinhas e, sim, na crueza da realidade cotidiana, sem chances para outras interpretações.
Não se trata, aqui, de “demonizar” o Mercado, o dinheiro; embora eles, o consumismo insano e seus sinônimos comparsas, bem que o mereçam. Porém, “divinizá-lo”, nem pensar! Prestar a ele culto? Nunca. Supor que ele tudo resolverá é infantilidade. Que ele é justo: balela. Ele demonstrou-nos muito bem a sua ineficácia e fragilidade de seu modelo (especialmente durante a recente “crise financeira”), sua capacidade em sugar ao esgotamento os recursos naturais, sua incapacidade em repartir, sua extrema competência em poluir e destruir, a voracidade do seu lucro individualizado e de seu prejuízo socializado; sua predileção pelos os que detêm o capital, inversamente ao que se propõe no cristianismo.
Em I Tm 6,10 podemos ler: “... a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro.” Aqui há uma totalidade: todos os males têm como raiz o apego ao dinheiro e tudo o que ele representa, na ambição desmedida, no poder que confere. Por analogia: todo bem tem sua raiz no amor a Deus.
Havia um programa na televisão: Topa tudo por dinheiro. Não sei se ainda existe. Se não na telinha, está plenamente em voga no dia-a-dia, nos conchavos, nas meias e cuecas, nas bolsas de valores, no favorecimento de sentenças, no “Mercado”, nas “alianças”, na má política, nas propinas, nos escritórios.
Certo estava Belchior quando cantou em Paralelas: “... no escritório em que eu trabalho e fico rico, quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor.”
Quem questiona essa prática mercadológica agressiva, visando única e objetivamente o lucro a qualquer custo, sem se importar com o demais, com a justiça social, em detrimento da ética, recebe, em meio a risinhos contidos, a seguinte interrogação-exclamação:“Tem alguma freira aqui?!”. Infelizmente, não. A verdadeira freira estava em Calcutá cuidando das feridas de Jesus presente no pobre. Hoje está no céu. “A quem quereis servir?” (Cfe. Js, 24,15).