O povo passa e pisa, com desdém, indiferente, as flores
caídas do ipê-amarelo. Pisam o celetista e o estatutário, o optante e o
não-optante. A ARENA e o MDB. Todos pisam e nada exclamam em seu andar
reticente! Triste, pobre primavera com suas flores gratuitas aos olhares ingratos...
Ainda bem
que chegou esta frente fria! Veio como um sopro de Deus nas geleiras trazido
por anjinhos encapuzados!
Agora sim,
vestirei meu casaco e fingirei fumar neblina. Olharei as luzes com sua órbita
distinta na névoa e as estrelas de azulinho brilharão com alegria. Terei bons
sonhos e o café um gosto amigo.
No esfregar
das mãos, quando vier a boca oferecer um hálito quente, o esboço de um beijo se
formará em nossas almas. Beijemos, pois, as mãos.
As andorinhas empoleirar-se-ão (até a mesóclise aparece nestes tempos!) no fio do pára-raios da Matriz de Sant’Anna, feito
um Rosário, um colar de pedras-vivas e, por serem vivas, muito mais preciosas.
E ao se tomar un traguito,
beber-se-ão também lembranças que nos embotarão os olhos como a manteiga de
cacau os lábios.
A Lua terá
seu halo, sua majestade, sua lunar santidade. Agora vejo o cobertor e o
chocolate quente, o cigarro com gosto de baunilha e as luvas cheirando a
naftalina.
O frio que
sinto não é o frio do mundo... É o quente-frio das palavras de lã e das manhãs despercebidas.