Ando com a sensação de que nunca mais
encontrarei a canção que nesta primavera perdi. Cantarolei-a algumas poucas vezes.
Bela e simples melodia. E depois... a esqueci! Não como esquecemos os amores
marcantes, mas os flertes sem intenção.
Procurei-a
no meu violão, nos quase infinitos e repetitivos dedilhados. Nada. Decidi – que
ousadia! – procurá-la no clarinete (eu, um aprendiz!), nas tardes que a noite
engolia pelas janelas da Sede da Banda em Arrozal. Lá via a silhueta de uma
palmeira entregar-se – relutante e atrevida, como que por dentro querendo e,
por fora negando – às nuanças, ora negra, se a nota nos saísse amargurada, ora
azul, se o sopro fosse justo e prazeroso.
É
devido dizer, a bem da verdade, que nada sei no clarinete, quase nada. Para mim
assemelha-se a um peixe de treze escamas cor de prata e de fala macia. Responde
ao nosso beijo recitando notas musicais, como ronronam os gatos às nossas
carícias. Dele, apenas subo uma escala, onde o “si” é o patamar entre as verdades
que dele aprenderei. Porém, se nada ou quase nada sei de clarinetes, de tardes
eu entendo e, naquela, não estava escondida minha canção.
Mas
quem sou eu para lhes entristecer o dia? Acaso algum senhor casmurro que
reclama da brisa que espalha as folhas no quintal? Não. Mas nem tudo está
perdido: apenas uma canção. Entretanto, como dizia Santo Agostinho: “Nada estará perdido enquanto estivermos em
busca.” Faz-se mister insistir, pois, na procura, ainda que como quem não
quer achar, inadvertidamente, ao acaso, como às vezes se tropeça na felicidade.
Subi
assim, rotineiramente, aquela despretensiosa rua. Havia trocado duas
espingardas com suas cartucheiras num accordéon, disse-me o senhor. Accordéon...
accordéon... linda palavra, accordéon! Todos os versos e toda estória deveriam
terminar em accordéon: por todo o sempre, accordéon! ... E se amaram e longamente
se beijaram... accordéon! E, novamente se encontraram e fizeram as pazes...
accordéon!
Ah,
se pudesse lhes dizer: encontrei, senhores,encontrei a tal canção perdida! Qual
o quê... O verão já se aproxima a salgar-me o rosto e a secar-me a língua e
minha canção perdeu-se na primavera. Espero as estações. Pois não se iludam, há
sentimentos diversos para cada estação e é inútil procurar no inverno o que no
outono se perdeu...
Daí, então, mansamente, uma flor de melodia se
abrirá, em tom menor, e como um fole se abre ao fôlego dos pulmões, nascerá a
harmonia. E, então, senhores, escutarão, desde o mais próximo ao mais longínquo
ser... por todo sempre, accordéon!
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