terça-feira, 20 de outubro de 2015

EMPARELHA

Resultado de imagem para paralelasO som do vento no mato,
Assemelha-se ao das águas no riacho,
E emparelha a infância que eu tive
À infância... em que me acho.

O mato na doce relutância de envergar-se,
A cabeça do afago a esquivar-se...

O som do vento no mato traz-me
O lento esvair do tempo no tempo que a alma conta.
Como se a vida estivesse pronta,
Sem arestas, sem pontas,
À espera do meu pensamento.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

SALA DE ESPERA

Amigo leitor, esta coluna pretende-se uma pequena pausa no veloz ritmo que rotineiramente nos é imposto; um sopro no quente copinho de café enquanto intui-se um pensamento bobo, qualquer, despretensioso.  Nem mais, nem menos.
            Dito isto, ocorreu-me a lembrança do que observei, dia desses, numa sala de espera. Como se sabe – salvo exceções – as salas de espera nos colocam em estranhas situações: pescoço levantado para ver a televisão que chuvisca; pescoço abaixado para ler as revistas em que chuviscam socialites em seu mundo diverso, Photoshópico. Um meio sorriso para a senhora do lado, um bocejar contido pelas mãos, um menear de cabeça a discordar da notícia que se leu e, assim passa – muito devagar e numa desconhecida dimensão – o tempo nas salas de espera.
            No sofá em frente, um senhor: óculos de lentes não muito espessas, armação sóbria e escura, bigode com fios grisalhos e desalinhados, pele curtida pelo sol, sandália tipo franciscano, gasta; calça social, camisa quadriculada com finas linhas na horizontal, um pouco mais grossas na vertical e em graduação de cores, com fundo branco; gola – uma em pé (como orelhinhas de cachorro) outra deitada – cabelos por cortar, penteados com creme e para trás, onde as ondas teimavam em não lhe obedecer. Suas mãos: calejadas, não se fechavam. Mãos sempre abertas, senhores!
            Mas ele - não lhe disse amigo leitor - tentava ler uma revista. Pois bem. Folhear uma por uma, as páginas, mas (que pena!)... não conseguia. Suas grossas digitais não lhe permitiam tal suavidade. A cada vez que ousava tentar, diversas folhas se passavam juntas, como os dias de sua vida, suponho... Pobre senhor (poderíamos deduzir)! Lia e relia, indefinidamente, a capa da revista. De fato, ele é quem tinha estórias a contar...
Senti pena, porém ele... sorria. Se vivo fosse, um grande amigo diria que ele “ria que nem manteiga”. Tinha uma sabedoria silenciosa, monástica e uma realeza que vai além do vão glamour. Rico senhor (diríamos, agora, sem sombra de dúvida!)! Parecia, ao olhar as revistas, sentenciar: “Há pessoas tão pobres, mas tão pobres, que só têm dinheiro...”

            A vida é um pouco assim, paciente leitor: dia após dia, trabalhando tanto e tanto mais, às golfadas o tempo vai engolindo as horas, engrossando nossas mãos, calejando-nos o coração. Mas isso é outra conversa...

(Publicado no Jornal CORREIO COMERCIAL da Associação Comercial e Empresarial de Barra do Piraí - Coluna "PAUSA PARA O CAFÉ").

HERÓIS ANÔNIMOS

Para Emanoel Xavier Bittencourt.

         Desorganizados, uni-vos! Não tão próximos, para que não pareça algo previamente organizado.
         Somos, senhores, a alegria do mundo! Heróis anônimos, sem rosto, sem reconhecimento público, sem medalhas, sem triênios ou quaisquer adicionais por tempo de serviço. Fazemos da vida uma eterna redescoberta daquilo que uma vez achamos e que perdemos logo em seguida. Ou vice-versa.  Somos os príncipes da surpresa! Surpreendemo-nos a nós mesmos! E lembramo-nos apenas de... esquecer.
         É; somos boas criaturas. Temos bom coração. Livres, independentes. Na verdade, esquecemos quase tudo: a ingratidão, os rancores, as mágoas e o dinheiro também.
         Nós, os desorganizados, somos românticos! Sim, cavaleiros de capa e espada. Sempre nos apaixonamos! Quase que semanalmente... Mas, por quem era mesmo? Bem, isso não vem ao caso... O destino (este sim, vilão miserável e arquiinimigo terrivelmente organizado) guarda-nos apenas a solidão e as marginais, periféricas e suburbanas avenidas.
         Mas não entristeçamos: temos olhos e ouvidos para as coisas simples e belas. Observamos atentamente o curso do Rio Piraí, o canto dos canários, o vôo das andorinhas, o acorde que magistralmente destoa do padrão e nos faz, prazerosamente, encolher os ombros. Assistimos aos gols do Flamengo como se nossos fossem e ao nasceres e pores-do-sol na Serra das Araras (como se fossem nossos). Somos felizes na alegria dos outros e, empáticos, lamentamos o pesar alheio como soldados da esperança feridos na própria carne.
         Sabemos que a bagunça do quarto, os discos empilhados, aquela carta por responder, extratos bancários, fichas telefônicas, livros emprestados, números de telefones, relógios sem bateria, apenas um pé de meia, reclames do chefe, recortes de jornais, cartelas vazias de aspirinas, elásticos arrebentados, clipes tortos e aquela caneta-fantasma que, há um minuto estava em cima do criado-mudo(!), de forma alguma nos desmerecem.
         Os mil compromissos assumidos e não cumpridos não revelam pouco caso, senhores, definitivamente... quase. É antes um desejo de nunca recusar nada a ninguém. Sim, tentamos ser agradáveis e disponíveis. Desagradável e impiedoso é o tempo, primo-irmão do destino! Tão certinho, como um chato com lupas, chega a nos causar pruridos! O tempo, as horas e os minutos não são caridosos. “Os dias são maus”, nos adverte a Santa Escritura, corroborando-nos.
         Aquele maço de cigarros vazio, que há três dias está embaixo da janela, merece profundo respeito. À insônia, em baganas a transbordar o cinzeiro, fez companhia... Somos, com efeito, baganas do que fomos; senhores, filtros impregnados de nós mesmos.
         Mas não nos abatamos! Forçados pela incompreensão e pela Receita Federal, às vezes esboçamos uma lágrima, embaça-se, dolorosamente, os olhos.  Porém, se acaso dela precisarem para regar uma flor: cá está!
         Sim, somos profundamente crédulos no impossível, no improvável, no gol aos 45, no amor aos 90 e no bilhete da Federal! Dizemos ter “estrela”, mas no fundo, acho que Deus gosta de nós...
         Assim, os desorganizados, desligados, esquecidos, atrasados e tantas outras fabulosas criaturas desprendidas e lunares pedem, humildemente, passagem neste mundo onde a tristeza e a indiferença encontram-se “agendadas” por muitos anos.

Piraí, 19 de agosto de 1991. 06 da manhã.

(Revisada em 19 de agosto de 2015).

sábado, 15 de agosto de 2015

FLERTE



Flerto de tão perto (e a esmo)
A loucura e a insanidade.
Que chego, de mim mesmo, sentir uma inexplicável saudade.

Se há amor, eu invento manhãs.
E, suspenso, do alto afugento os tortos cães do pensamento...
E me vou, e me vôo, e me vou.

Flerto de tão perto a demência,
Que mudo a aparência à minha alma dada.
E choro, e  rio, e oro por horas e horas a fio...
De espada.

Flerto de tão perto o absurdo
Que a tudo relativizo.
E diviso, em meu próprio rosto, a mortalha.
E cego, enxergo mudo. E, surdo, para meu desgosto,
No velho espelho da vida,
Pinto o reflexo (suicida) de um novo canalha.

sábado, 3 de janeiro de 2015

JUNHO EM PIRAÍ

     O povo passa e pisa, com desdém, indiferente, as flores caídas do ipê-amarelo. Pisam o celetista e o estatutário, o optante e o não-optante. A ARENA e o MDB. Todos pisam e nada exclamam em seu andar reticente! Triste, pobre primavera com suas flores gratuitas aos olhares ingratos...
    Ainda bem que chegou esta frente fria! Veio como um sopro de Deus nas geleiras trazido por anjinhos encapuzados!
     Agora sim, vestirei meu casaco e fingirei fumar neblina. Olharei as luzes com sua órbita distinta na névoa e as estrelas de azulinho brilharão com alegria. Terei bons sonhos e o café um gosto amigo.
    No esfregar das mãos, quando vier a boca oferecer um hálito quente, o esboço de um beijo se formará em nossas almas. Beijemos, pois, as mãos.
     As andorinhas empoleirar-se-ão (até a mesóclise aparece nestes tempos!) no fio do pára-raios da Matriz de Sant’Anna, feito um Rosário, um colar de pedras-vivas e, por serem vivas, muito mais preciosas. E ao se tomar un traguito, beber-se-ão também lembranças que nos embotarão os olhos como a manteiga de cacau os lábios.
    A Lua terá seu halo, sua majestade, sua lunar santidade. Agora vejo o cobertor e o chocolate quente, o cigarro com gosto de baunilha e as luvas cheirando a naftalina.
      O frio que sinto não é o frio do mundo... É o quente-frio das palavras de lã e das manhãs despercebidas.

ACCORDÉON

Ando com a sensação de que nunca mais encontrarei a canção que nesta primavera perdi. Cantarolei-a algumas poucas vezes. Bela e simples melodia. E depois... a esqueci! Não como esquecemos os amores marcantes, mas os flertes sem intenção.
            Procurei-a no meu violão, nos quase infinitos e repetitivos dedilhados. Nada. Decidi – que ousadia! – procurá-la no clarinete (eu, um aprendiz!), nas tardes que a noite engolia pelas janelas da Sede da Banda em Arrozal. Lá via a silhueta de uma palmeira entregar-se – relutante e atrevida, como que por dentro querendo e, por fora negando – às nuanças, ora negra, se a nota nos saísse amargurada, ora azul, se o sopro fosse justo e prazeroso.
            É devido dizer, a bem da verdade, que nada sei no clarinete, quase nada. Para mim assemelha-se a um peixe de treze escamas cor de prata e de fala macia. Responde ao nosso beijo recitando notas musicais, como ronronam os gatos às nossas carícias. Dele, apenas subo uma escala, onde o “si” é o patamar entre as verdades que dele aprenderei. Porém, se nada ou quase nada sei de clarinetes, de tardes eu entendo e, naquela, não estava escondida minha canção.
            Mas quem sou eu para lhes entristecer o dia? Acaso algum senhor casmurro que reclama da brisa que espalha as folhas no quintal? Não. Mas nem tudo está perdido: apenas uma canção. Entretanto, como dizia Santo Agostinho: “Nada estará perdido enquanto estivermos em busca.” Faz-se mister insistir, pois, na procura, ainda que como quem não quer achar, inadvertidamente, ao acaso, como às vezes se tropeça na felicidade.
            Subi assim, rotineiramente, aquela despretensiosa rua. Havia trocado duas espingardas com suas cartucheiras num accordéon, disse-me o senhor. Accordéon... accordéon... linda palavra, accordéon! Todos os versos e toda estória deveriam terminar em accordéon: por todo o sempre, accordéon! ... E se amaram e longamente se beijaram... accordéon! E, novamente se encontraram e fizeram as pazes... accordéon!
            Ah, se pudesse lhes dizer:  encontrei,  senhores,encontrei a tal canção perdida! Qual o quê... O verão já se aproxima a salgar-me o rosto e a secar-me a língua e minha canção perdeu-se na primavera. Espero as estações. Pois não se iludam, há sentimentos diversos para cada estação e é inútil procurar no inverno o que no outono se perdeu...

 Daí, então, mansamente, uma flor de melodia se abrirá, em tom menor, e como um fole se abre ao fôlego dos pulmões, nascerá a harmonia. E, então, senhores, escutarão, desde o mais próximo ao mais longínquo ser... por todo sempre, accordéon! 

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

PLÁGIO

AmeriqueMeridionaleRigobertBonne.jpg

O mar é uma mentira, um plágio,                                          
Que me tira do sério e me leva... 
Ao naufrágio.

Um ágil pirata, espadachim a rasgar a vela,
A singrar em mim aquela bela rima...
Que mata.

O mar corsário, único e vário,
Vil e lúdico, pulha e pudico.

O mar mergulha fundo e raso,
No que sonho, no que vazo,
Quando vou ou quando fico.

O mar é uma mentira que há.
Quem tirará o mar de mim?