Para
Emanoel Xavier Bittencourt.
Somos, senhores, a alegria do mundo!
Heróis anônimos, sem rosto, sem reconhecimento público, sem medalhas, sem
triênios ou quaisquer adicionais por tempo de serviço. Fazemos da vida uma
eterna redescoberta daquilo que uma vez achamos e que perdemos logo em seguida.
Ou vice-versa. Somos os príncipes da
surpresa! Surpreendemo-nos a nós mesmos! E lembramo-nos apenas de... esquecer.
É;
somos boas criaturas. Temos bom coração. Livres, independentes. Na verdade, esquecemos
quase tudo: a ingratidão, os rancores, as mágoas e o dinheiro também.
Nós, os desorganizados, somos
românticos! Sim, cavaleiros de capa e espada. Sempre nos apaixonamos! Quase que semanalmente... Mas, por quem era mesmo? Bem,
isso não vem ao caso... O destino (este sim, vilão miserável e arquiinimigo
terrivelmente organizado) guarda-nos apenas a solidão e as marginais,
periféricas e suburbanas avenidas.
Mas não entristeçamos: temos olhos e
ouvidos para as coisas simples e belas. Observamos atentamente o curso do Rio
Piraí, o canto dos canários, o vôo das andorinhas, o acorde que magistralmente
destoa do padrão e nos faz, prazerosamente, encolher os ombros. Assistimos aos gols do
Flamengo como se nossos fossem e ao nasceres e pores-do-sol na Serra das Araras (como se fossem nossos). Somos
felizes na alegria dos outros e, empáticos, lamentamos o pesar alheio como soldados
da esperança feridos na própria carne.
Sabemos que a bagunça do quarto, os
discos empilhados, aquela carta por responder, extratos bancários, fichas
telefônicas, livros emprestados, números de telefones, relógios sem bateria,
apenas um pé de meia, reclames do chefe, recortes de jornais, cartelas vazias
de aspirinas, elásticos arrebentados, clipes tortos e aquela caneta-fantasma
que, há um minuto estava em cima do criado-mudo(!), de forma alguma nos
desmerecem.
Os mil compromissos assumidos e não
cumpridos não revelam pouco caso, senhores, definitivamente... quase. É antes
um desejo de nunca recusar nada a ninguém. Sim, tentamos ser agradáveis e
disponíveis. Desagradável e impiedoso é o tempo, primo-irmão do destino! Tão
certinho, como um chato com lupas, chega a nos causar pruridos! O tempo, as
horas e os minutos não são caridosos. “Os dias são maus”, nos adverte a Santa
Escritura, corroborando-nos.
Aquele maço de cigarros vazio, que há
três dias está embaixo da janela, merece profundo respeito. À insônia, em
baganas a transbordar o cinzeiro, fez companhia... Somos, com efeito, baganas
do que fomos; senhores, filtros impregnados de nós mesmos.
Mas não nos abatamos! Forçados pela incompreensão
e pela Receita Federal, às vezes esboçamos uma lágrima, embaça-se,
dolorosamente, os olhos. Porém, se acaso
dela precisarem para regar uma flor: cá está!
Sim, somos profundamente crédulos no
impossível, no improvável, no gol aos 45, no amor aos 90 e no bilhete da
Federal! Dizemos ter “estrela”, mas no fundo, acho que Deus gosta de nós...
Assim, os desorganizados, desligados,
esquecidos, atrasados e tantas outras fabulosas criaturas desprendidas e
lunares pedem, humildemente, passagem neste mundo onde a tristeza e a
indiferença encontram-se “agendadas” por muitos anos.
Piraí,
19 de agosto de 1991. 06 da manhã.
(Revisada
em 19 de agosto de 2015).
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