sábado, 30 de outubro de 2010

DESESPERAR, JAMAIS!


Parte do meu final de semana é dedicada à leitura de jornais e revistas. Até aí, nada de mais. Contudo, faço-o de tesoura e caneta nas mãos. Tenho essa mania: recortar os artigos que penso serão interessantes ou úteis para alguém. Descobri que é hereditário. Dia desses encontrei uma pasta que pertencia ao meu pai repleta de recortes. Frases sublinhadas, setas, exclamações, adendos, tudo com sua inconfundível letra triangular.
         Li, pois, nesta faina semanal, com tristeza, a seguinte afirmação: “A esperança não transforma o mundo. Não transforma sua vida. Sem querer ofender ninguém: a esperança se tornou obsoleta”. Recortei, como de costume, porém... não tinha para quem entregar. Fiquei por um bom (?) tempo a matutar. E aqui abro um parêntesis sobre o tempo: “Pequena é a parte da vida que vivemos. Pois todo restante não é vida, mas somente tempo.”, diz Sêneca...
         Ora, penso que a amarga autora confundiu o sentido que nós, os que esperamos, damos à Esperança. Mas ainda: os que acreditamos ser ela – a Esperança – uma Virtude.
      De fato, a Esperança não é inoperante ou ineficaz. Lembro-me, por exemplo, da experiência do Professor Victor Frankl, que nos afirmou que, nos Campos de Concentração, os que “esperavam” eram os que sobreviviam. Ele esperou... Creio que o correto seria atribuir à teimosia a obsolescência e ineficiência. Se me permite o leitor, citarei uma frase – desconheço o autor – mas que por certo virá esclarecer-nos um pouco mais: “A teimosia é uma degeneração da perseverança”. Ora, a teimosia, sim, é a insistência no erro, enquanto perseverança é persistir no que é justo, correto e bom.
         E há entre a perseverança e a esperança muito mais do que uma simples rima: há um tempo vivido, de uma forma especial vivido, vivido com fé.
      O que eu quero dizer com isso tudo é que já nos tiraram tantas coisas e nos impuseram tantas outras mais, sem sequer nos perguntar se estávamos de acordo ou não! Agora querem nos roubar a Esperança?!
         Guardei o recorte que fala da “morte” da Esperança (já que popularmente ela é a última que morre!) e prometi-me não entregá-lo a ninguém. Talvez o queime em alguma fogueira de São João...
         Mas, continuo com a mesma mania: jornais, revistas, canetas e tesouras. E esta me levou a outro pequeno texto, este atribuído a Mario de Andrade: “...O essencial faz a vida valer à pena. E para mim, basta o essencial!” E, para mim, Mário, a Esperança é essencial. É a essência dos sonhos e, os sonhos a poesia da vida e, a vida, meu amigo, um milagre cotidiano repleto de... Esperança.

Grande abraço,


Saulo Soares

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A COMIDA DOS PORCOS


Hipertensão, na Globo. Prova: uma jovem, com a cabeça dentro de uma caixinha transparente repleta de ratos, cobras e sapos, grita desesperadamente enquanto é girada de lá pra cá. Outros três jovens: diante deles e, à escolha como cardápio, minhocas, baratas ou sei lá mais o quê. Comem e vomitam. E tudo isso para salvar uma vida, ou como castigo ou tortura por se terem colocado contra algum regime ditatorial? Ou, ainda, por uma causa ambiental, social, política ou econômica? Uma revolta contra alguma injustiça? Não. Por dinheiro e fama. Ou, caso desejem, tratemos pelos nomes próprios desses dois: Avareza e Vaidade. É o “Topa Tudo por Dinheiro” na sua versão mais sarcástica e desumana. E o pior de tudo: ao invés de serem considerados dignos de pena por se prestarem (e prostrarem) a tais coisas por dinheiro, são tidos como uma espécie de heróis! Isso mesmo! E a que desistiu, não comeu o prato nojento, é, com certeza, alcunhada de perdedora e covarde. Big Brother, Hipertensão, tudo isso: o Capital rindo na nossa cara, cuspindo na nossa dignidade, escarrando na nossa alma.
Quanto mais a sociedade se afasta de Deus, que é o Absoluto, mais ela relativiza suas atitudes, seus comportamentos. Não crer em Deus, na prática, é não acreditar que somos feitos à Sua imagem e semelhança. É, portanto, perder ou recusar a dignidade de “filhos” de Deus. E, crer em Cristo, significa crer que nossa dignidade, nosso valor é tamanho que custou o sangue D’Ele, o Filho – com “F” maiúsculo – de Deus. Afinal, somos “filhos” no “Filho”. Ou seja, não há nada que valorize tanto o Homem, quanto a fé. A partir desta ótica, conscientes de nossa dignidade e filiação divina, entendemos o outro como irmão, filho do mesmo Pai, do Pai Nosso. Concebemos o ser humano e, em especial os mais frágeis – como os bebês – não como um “amontoado de células”, mas como nossos irmãos pequeninos e mais pobres. Esta, também é, de fato, além de uma opção pela Vida, uma “opção preferencial pelos pobres”.
É conhecida a passagem bíblica do Filho Pródigo que pede sua herança e, requerer a herança é, de certa forma, declarar morto o pai – pois herança se reparte após a morte – e sai pelo mundo, gasta tudo, até comer a “comida dos porcos”.
Nossa sociedade, sob certo aspecto, assemelha-se a esse filho em sua prodigalidade. Gastou, declarou Deus como morto, consumiu o valor recebido do Pai, a dignidade que Dele recebeu e alimenta-se da comida dos porcos, ou o que é mais triste, serve de espetáculo, comendo e vomitando via satélite minhocas, baratas, vermes... em troca de dinheiro.

Grande abraço,

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O HUMANO DESCARTÁVEL



O disco de vinil está de volta! Li, na coluna do Veríssimo que descobriram que as gravações em vinil eram superiores às digitais, em matéria de fidelidade sonora, em relação à reprodução dos harmônicos (???). Li, também, que a câmera digital não possui a qualidade do filme fotográfico, no que se refere à resolução e qualidade de imagens. Somente quando as digitais atingirem os 20 megapixels se igualarão às convencionais, dizem.
Mas porque digo isso? Às vezes, engolidos pela onda veloz da modernidade e do avanço tecnológico, pelos apelos do Marketing (exímio conhecedor da concupiscência humana) e pela sede voraz do Capital, descartamos o que ainda de bom e proveitoso há. Vivemos na era do descartável.
Mas quero ir adiante. O programa Café Filosófico, da TV Cultura, trouxe como tema “A volta do sagrado: superando a crise” – com a participação, dentre outros, do Rabino Nilton Bonder e do jornalista Eugenio Bucci. O Rabino trata do seu livro “A alma imoral”. De suas palavras – além da interessante “inversão” dos conceitos de corpo e alma - guardei a afirmação de que os judeus, espalhados pelo mundo, para se manterem coesos – como no espaço era impossível pela dispersão – utilizaram-se do tempo. Disse ele: ...”quando as três primeiras estrelas surgiam no céu, anunciando a chegada Sábado, os judeus, pelo mundo afora, uniam-se." Não tinham o espaço em comum, mas tinham o tempo. Tinham a alma.
O jornalista Eugenio Bucci falou sobre o “Humano descartável”. Começou pelo filme Matrix – ficção onde o ser humano serve como de fonte de energia para as máquinas – passou por Darwin e o Evolucionismo (destacando que a Teoria da Evolução seria uma justificativa para os moldes do Mercado Capitalista “`Predador”), por Richard Dawkins e a evolução do gene (seríamos apenas meios de transporte para os tais genes que, comandariam a “verdadeira” evolução e que, por fim, chegando onde pretendem, descartariam o humano) até a perpetuação do Capital e o fim do homem como hoje se entende. Complicado, não?
Pois é. Mas, de fato, cabe-nos uma pergunta: quanto o humano, hoje em dia, é descartável? Quanto descartamos da humanidade nos relacionamentos e nos valemos da virtualidade, da impessoalidade? Diferentemente dos judeus na Diáspora, perdemos o espaço e o tempo. A corporeidade e a alma. Não percebemos que, no descarte do “outro”, descartamos a nós mesmos, descartamos o “homem”. Não creio que a isso possa se chamar de “evolução”.
Se a Revolução Industrial tirou parte do trabalho dos músculos e o transferiu para as máquinas, a nova sociedade do conhecimento pretender fazer o mesmo com o labor do cérebro. Se o resultado disso fosse uma sociedade mais justa... Mas, não. Mais adiante – com corpo e mente “mecanizados” – o que mais será? As emoções? Os sentimentos? A alma?
Precisamos redescobrir nossa humanidade. Não somos “periféricos” de um “sistema”, “acessórios” de um “principal”. Somos homens e – literalmente – graças à Deus o somos!

Grande abraço,

domingo, 18 de julho de 2010

A CALMA


Perdemos a calma. E com ela – permita-me – a alma tranqüila. É de Renato Teixeira o belo verso: “A calma é irmã do simples e o simples resolve tudo.” Tem também aquela outra – diga-se de passagem - maravilhosa: “Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais.”
Nesses nossos tempos de fast-food, de velocidade e pressa, os dias passam, os meses passam e nós... passamos. Este ritmo acelerado demais não nos permite viver com intensidade, apenas com superficialidade. Não há mais tempo para a subjetividade, somente para a objetividade. E com tudo isso nossos valores foram mudando, nossos relacionamentos, nossas expectativas, nossa forma de ver o mundo.
É como numa viagem de trem. Se fixarmos os olhos num ponto próximo a nós, tudo passa tão ligeiro que não conseguimos distinguir a paisagem. Mas se colocarmos nosso olhar mais adiante, num horizonte mais amplo, a imagem se fixa e daí podemos enxergar mais claramente.
Quando se vive numa velocidade e ritmos tais, qualquer erro, ou desvio na rota, pode ser fatal para o desfecho final. À grandes velocidades pequenos movimentos fazem enorme diferença.
Estou para escrever sobre este assunto há tempos. Mas urgência dos dias me impediu. Não que eu considere que tudo deva ser moroso, não. Aquilo que, de alguma forma, possa facilitar a vida do homem, sem que traga más conseqüências maiores do que os seus benefícios, é válido. Falo aqui do que realmente importa. Li outro dia uma frase que achei interessante: “A vida exige mais compreensão do que conhecimento.” É disso que falo.
Sêneca me pareceu ter essa compreensão. Uma de suas frases de “Da vida feliz” (De vita beata) diz o seguinte: “Realmente não é fácil atingir a felicidade, porque, se alguém desviado do caminho se precipita para alcançá-la, fica sempre mais afastado da felicidade. Correndo em sentido contrário, a nossa própria pressa torna-se a causa de um contínuo distanciamento.”
O amor exige calma e paciência. A vida é para ser saboreada, contemplada. E não engolida.


Grande abraço,

GRANDE ENCONTRO DE SARAMAGO


Confesso que não gostava muito de Saramago. Achava-o arrogante. Não falo de seu estilo literário. Não li Saramago. Não o fiz por pura antipatia à sua pessoa. Dele apenas vi o filme inspirado em seu livro “Ensaio sobre a cegueira”, dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles. Muito bom. Poderia até ter me animado a lê-lo, mas não.
Bom, ele morreu. Sabemos que ele se dizia ateu. Porém, não havia lido também esta frase atribuída a ele: “Não sou um ateu total. Todos os dias procuro encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não encontro.” O que traz essa frase de diferente e animador: o “infelizmente”. Dizer “infelizmente” denota que gostaríamos que houvesse um outro desfecho que não esse. Entristecer-se por não encontrar um sinal de Deus, demonstra o real desejo de encontrá-lo. Santo Agostinho também tem uma frase: “Nada estará perdido enquanto estivermos em busca.” Isso vale para Saramago e sua busca diária.
Fui adiante na leitura das frases do autor e deparei-me com algumas bastantes interessantes. Refletem um pouco quem era Saramago, quem era “o homem atrás daqueles óculos”. Eis aqui algumas delas:

“Cada dia traz sua alegria e sua pena, e também sua lição proveitosa.”

O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas."

“Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos.”

“Há situações na vida em que já tanto nos dá perder por dez como perder por cem, o que queremos é conhecer rapidamente a última soma do desastre, para depois, se tal for possível, não voltarmos a pensar mais no assunto.”

“Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia a mais.”

Há uns dias atrás foi o último para Saramago aqui conosco. Mas talvez tenha sido também o primeiro, novo e diferente dia que para ele nasceu. Talvez a sua busca tenha encontrado um fim, o seu cansaço, um descanso; e suas dúvidas, respostas. Talvez tenha chegado para ele a hora da descoberta que sabia muito mais do que julgava.

Grande abraço,

O CEGO DE JERICÓ E IVETE SANGALO




Viajar de ônibus tem – como quase tudo na vida – vantagens e desvantagens. Uma das vantagens (que pode não ser para alguns) é justamente o convívio com o inesperado e inusitado passageiro comum.
Barra do Piraí – Santanésia é um trecho rápido. Demora-se mais esperando o ônibus no ponto - e como! - do que efetivamente no trajeto. Duas senhoras evangélicas conversavam sobre a Ivete Sangalo: Você viu – disse uma – a Ivete incorporando espírito em pleno palco? Não?! Coloca lá no youtube: Ivete endemoninhada e você vai ver. Pensei cá comigo: Tempos atrás quem poderia imaginar um diálogo desses? E começaram a falar sobre o Apocalipse, chips implantados, catástrofes. Enfim, o mundo tinha acabado antes mesmo de chegarmos ao fim da viagem. Mas, isso foi na ida.
Na volta um cego entra no ônibus juntamente com sua acompanhante e começa um discurso eloqüente, capaz de deixar corado muito orador de carteirinha: “Uma excelente boa tarde, senhoras e senhores! Permita-me uma pequena interrupção nesta breve viagem...”. E assim foi - enquanto a acompanhante distribuía uns cartõezinhos xerocados - o seu discurso pedindo auxílio evocando as dificuldades da sua situação. De repente – como diria o Poetinha – não mais que de repente, saca de dentro de sua roupa uma... latinha de Pomarola segura por um fio amarrado por pequenos nós em furinhos nas laterais. Tudo cronometrado. Moedas tilintaram. Lá se foram as minhas também.
Logo correlacionei aquele cego do ônibus com o bíblico de Jericó. “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Que queres que eu te faça?", perguntou o Senhor. Ora, alguns podem argumentar criticando obviedade: “Que pergunta?! É claro que o cego quer ver!” Será? Não creio que o Senhor tenha sido bobo ou, como querem alguns, cômico ao fazer esta pergunta. De fato, muitas vezes, nos agarramos às nossas limitações, às nossas “cegueiras” e fazemos delas uma forma de obtermos um certo carinho, uma especial atenção. Por isso, procede, sim, perguntar: Queres, de fato, ver? Ou preferes a escuridão, agarrado às suas muletas e apoios?
Conta-se que um mineirinho, no tempo dos réis, todos os dias passava por uma venda e, lá os bebedores colocavam diversas moedas na mesa. A menor tinha maior valor e a maior, menor valor. Chamavam o mineirinho e pediam para ele escolher. Ele sempre escolhia a maior (de menor valor). E todos riam aos baldes. Um dia, um cidadão virou-se para o mineirinho e disse: “Você não sabe que a moeda menor tem maior valor? Por que não a escolhe?” Ele respondeu: “Sei, sim, senhor. Mas, no dia em que eu escolhê-la, acaba a brincadeira e eu perco esse dinheirinho todos os dias.” Simples.
Temos que ter caridade. Sem dúvida! Temos também que lutar para que todos tenham dignidade. Emprego, educação, oportunidades, abrem os olhos da mente... e do coração.

Grande abraço,

segunda-feira, 7 de junho de 2010

POSE DE BANDIDO


Conversando sobre as drogas, em especial o que se ouve dizer sobre elas em Piraí (em todo Piraí), retomo aqui algumas reflexões – algumas já publicadas - sobre o assunto: drogas, educação, religião e seus entrelaces.
Em artigo publicado na Revista de Domingo, de O Globo, intitulado “Pose de bandido”, Martha Medeiros chama nossa atenção sobre a atração que a “estética das gangues” exerce sobre a juventude, de um modo geral. Diz ela: “Temos sido vítimas não apenas de marginais profissionais, com Phd em maldade, mas também de garotos mimados que aceleram seus carrões sem medir conseqüências, que tomam decisões estúpidas por pura falta de orientação, que se metem em encrencas pesadas porque, se saltarem fora, temem ser considerados fracos, babacas. Não percebem que não há babaquice maior que fazer pose de bandido. [...] Ninguém mais quer ser da turma dos mocinhos. Por quê? O pessoal do bem anda precisando de uma boa assessoria de marketing.” Eu incluiria no texto: “filhinhos de papai” que espancam domésticas em pontos de ônibus, queimam índios e tantas tristezas mais ...
Como estamos criando nossos filhos? Para uma pose de mocinho ou de bandido? Para um belo quadro na parede ou para uma triste manchete de jornal?
Rafael Cifuentes – no caderno “Grandeza de coração”, da Ed. Quadrante – transcreve a seguinte carta de um delinqüente juvenil alemão aos seus pais e a todos os pais. Inclusive nós, pais Piraienses. Diz o seguinte: Porque vocês são fracos no bem, deram-nos o nome de fortes no mal... Com seu “não” vacilante, disseram-nos “sim”, a fim de pouparem seus frágeis nervos. E a isso deram nome de “amor”. Porque são fracos, compraram de nós o seu sossego. Quando éramos pequenos, davam-nos dinheiro para irmos ao cinema ou comprarmos sorvete. Com isso, estavam prestando um serviço, não a nós, mas à sua própria comodidade, porque são fracos. Fracos no amor, fracos na paciência, fracos na esperança, fracos na fé. Estaríamos dispostos a crer em Deus, no Deus infinitamente bom e forte, que tudo compreendesse e de nós esperasse que fôssemos bons, mas você não nos mostraram um só homem que fosse bom por crer em Deus... Em vez de nos ameaçarem com bastões de borracha, coloquem-nos frente a frente com homens de verdade, que acreditem em Deus e que nos mostrem o caminho certo... Porque vocês são fracos no bem, nós somos fortes no mal.”
Não dá para se colocar todo o peso desta cruz somente sobre os ombros dos pais. Mas parte, sim. Sei que é difícil e que muitas coisas fogem ao nosso controle e atenção. Há também, obviamente, a parcela da sociedade, do Estado, do restante do “pessoal do bem”, etc.
Todo pecado é uma busca desordenada pela felicidade, não é mesmo? O filósofo Kierkegaard diz que o indispensável é o Absoluto. Talvez estejamos preocupados em fornecer aos nossos filhos bens e benefícios importantes, mas relativos, não absolutos. O Bem, e tudo o que dele decorre, este sim é o indispensável Absoluto.


Grande abraço,

quarta-feira, 19 de maio de 2010

FUSCA NÃO ANDA, DESFILA.


Essa era a frase em adesivo no vidro traseiro de um simpático fusquinha à minha frente. Conta o Senador Cristovam Buarque que, sob um calor de “derreter Catedral”: " [...]há alguns anos, em um sinal de trânsito, às duas da tarde, em Manaus, o motorista mostrou-me o fusquinha ao lado e disse: “Ele fecha os vidros para dar a aparência que seu carro tem ar-condicionado. Na hora percebi que aquele era um retrato do Brasil. Não importava sentir calor, mas sim aparentar ter ar-condicionado.”


E arremata: “[...] aprendemos a esconder a as aparências do que não interessa ver. Felizmente, descobrimos a podridão na superfície da política, que aparece graças às denúncias da mídia, mas não vemos a ferrugem na engrenagem da sociedade inteira, porque nem a mídia, nem todos nós queremos ver. Somos um povo não só de aparências, mas de aparências escolhidas.”


Quanto de balela há no marketing político? Em tantas alardeadas “realizações”? Quanto de aparência? Quanto de tudo isso, como diz Caetano, não é “proveito, é pura fama” ou é somente para inglês ver? Recentemente acompanhamos a briga pelos royalties do petróleo. O Senador Buarque fez, também, com justiça, uma defesa do Rio. Concordo plenamente com os direitos exigidos por nosso Estado. Porém, ele dá início a uma reflexão muito interessante: argumenta que “mesmo após décadas recebendo royalties, a quase totalidade dessas cidades têm IDH – Índice de Desenvolvimento Humano - entre o 745º e o 4178º no ranking nacional. Isso porque parte desses recursos é usada em gastos correntes, não em investimentos em longo prazo.” E, faz um alerta: “E quando o petróleo acabar, ou quando o preço despencar por força da crise ecológica ou do uso de fontes renováveis de energia? Cita, também, a “maldição do petróleo” que atingiu países que consomem suas reservas e gastam seus recursos visando somente o presente. Imediatistas como o personagem da parábola do filho pródigo.


Ora, não basta ter o recurso. Não obstante existam leis que determinem sua utilização, é preciso administrá-lo e aplicá-lo corretamente ou corremos o risco de andarmos na sauna de um fusquinha de vidros fechados mas aparentar estar sob o frescor do ar-condicionado. Ou, ainda, o que é pior, continuaremos a ver despencar Morros do Bumba por aí, tanto pela falta de investimento, quanto como fruto de uma política anã que incentiva a troca de votos por milheiros de tijolos e sacos de cimento, bem como a cessão de espaços e vista grossa para construções em área de risco.


Na coluna do Góis, no O GLOBO, há época do calor das discussões sobre o pré-sal, saiu a seguinte nota: “Sermão outro dia do padre Marcos Belisário, da Igreja dos Santos Anjos, no Leblon:


- Alguém sabe por onde anda o dinheiro dos royalties do Rio? Pelo menos, a Emenda Ibsen serviu para levantar esta lebre. Onde foram aplicados estes R$ 7 bilhões anuais?


É. Faz sentido.


terça-feira, 27 de abril de 2010

AOS PÉS DA MINHA ÁFRICA


Uma das mais influentes personalidades americanas é negra e mulher. Oprah Winfrey. Apresentadora de um programa de TV assistido em quase todo mundo, é dona de uma inteligência e sagacidade incomuns. Tive a oportunidade de assisti-la conduzindo uma entrevista com Mike Tyson. Ela tem a capacidade de fazer as perguntas mais “incômodas” de uma forma, diríamos, “confortável” para o entrevistado. Recentemente recebeu a atriz Kristie Alley. Kristie ganhou peso de forma excessiva e sua batalha pelo emagrecimento transformou-se num reality show exibido em rede nacional. Ela revelou que o que a inspira a lutar é o poema Invictus, de autoria do inglês William E. Henley, que, conforme afirmou, manteve de pé Mandela nos seus longos 27 anos de prisão. E, juntas, Oprah e Kristie, recitaram de cor os versos finais: [...] Por ser estreita a senda – eu não declino/ Nem por pesada a mão que o mundo espalma; / Eu sou o dono e senhor do meu destino;/ Eu sou o comandante de minha alma.”
Mandela, de fato, é um grande homem. Um dos maiores que a nossa geração teve a oportunidade de conhecer. Após sofrer e ver seu povo sofrer tantas injustiças e violências, não se deixou levar pelo ódio e pela vingança. Ao contrário, uma das primeiras medidas do seu governo foi a Comissão Verdade e Reconciliação. Um tribunal moral, sem possibilidades de punição, onde testemunhos de diversas pessoas, de lados opostos, contribuíram para o nascimento de uma nova nação, onde a força da verdade se fez libertação, como no verso bíblico: “... e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!”
Tudo isso me fez lembrar outro poema, Aos pés da minha África, de Léopold S. Senghor. Diz o seguinte:

Aos pés da minha África,
Crucificada há quatrocentos anos,
Mas que ainda respira,
Deixa-me dizer-Te, Senhor,
A sua prece de paz e perdão.
Senhor Deus, perdoa a Europa branca!
Porque é preciso exatamente que Tu perdoes
Àqueles que caçaram meus filhos
Como a elefantes selvagens.
Porque é preciso exatamente que Tu esqueças
Aqueles que exportaram dez milhões de filhos
Nos leprosários de seus navios,
Que eliminaram duzentos milhões deles.
Senhor, o gelo de meus olhos se dissolve,
E eis que a serpente do ódio
Ergue a cabeça em meu coração,
Aquela serpente que eu julgava morta.
Mata-a, Senhor,
Porque eu devo prosseguir o meu caminho.



Somos todos irmãos, filhos de um mesmo Pai, de uma única raça: a raça humana.


Grande abraço,

terça-feira, 13 de abril de 2010

VINDE, BENDITOS DE MEU PAI!


Meu pai nasceu muito pobre. Foi adotado por um casal que, além dele, cuidou de mais 16 crianças carentes. Ele contava histórias da bondade dos meus avós para com todos, inclusive com os animais. Meu avô, Lao Monteiro de Carvalho, aposentava seus animais em gratidão aos serviços prestados. Belo exemplo!
Transcrevo, emocionado, a carta de meu pai aos seus, por ocasião da Páscoa de 1955, publicada no O NORTE FLUMINENSE, de Bom Jesus do Itabapoana.

“Mariana, Páscoa de 1955 – Queridos Papai e Mamãe – Salve Cristo Ressuscitado!

Não poderia eu permitir passasse esta festa cristã, tão significativa para nós, sem externar ao senhor e à mamãe os meus votos de santa e feliz Páscoa. A Páscoa é geralmente tomada como uma lembrança viva das vitórias de Cristo sobre as forças infernais. E deste pensamento surgem inúmeras conclusões que mexem profundamente com todo o nosso ser, com nossos sentimentos todos. Cristo venceu. Cristo ressuscitou.
Sua vitória, porém, não foi fácil. Antes, exigiu os mais ingentes sacrifícios, a mais imunda e negra das ingratidões, padecimentos tais, que tiveram fim numa cruz erguida entre vaias e apupos. Só a figura de Judas, indecisa e traidora, é suficiente para enegrecer todo este quadro, já por si mesmo tão escuro e repugnante. É bom notar que a vitória de Cristo não é uma vitória somente sua, mas também nossa. Foi por nós que Ele se entregou, morreu e ressurgiu (Rom V – 9; IV-25).
É justo, pois, que repetidas vezes a Igreja jubilosa convide seus filhos à verdadeira alegria. Já temos de novo permissão para entrar no Paraíso e gozar de Deus eternamente. Mas se Cristo com seu sangue nos abriu a porta do céu, Ele quer que caminhemos até lá, que cumpramos em nós, como diz S. Paulo, o que faltou à sua paixão (Col. I-24). E à paixão de Cristo faltou apenas a colaboração nossa: a Fé, a Esperança e a Caridade. Crer, confiar e observar os mandamentos. E destas virtudes a maior é a caridade. Se, porém, ela sozinha não supre as condições anteriores, coopera eficazmente para sua consecução. A caridade ocupa as passagens mais vivas, humanas e divinas da Bíblia. O amor ao próximo será a moeda com que um dia Cristo reconhecerá em nós filhos adotivos de Deus, irmãos e co-herdeiros seus: “Vinde benditos de meu Pai...pois tive fome e me destes de comer, estava sedento e me destes de beber, estava nu e me vestistes, doente e me visitastes.” E ante nossa admiração e desconcerto, Ele confirmará suas palavras: “Em verdade vos digo que todas as vezes que fizestes isso ao menor de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mat. XXVI-34-41). É aqui, meus pais, que eu queria chegar. Não podia desejar-lhes uma feliz Páscoa sem antes demonstrar que de tal são merecedores. “Sempre que o fizeste isto ao menor dos meus irmãos foi a mim que o fizestes.” Muitas vezes Cristo foi alimentado, vestido, tratado com bondade e carinho neste lar onde a providência divina me colocou. Mais de dezesseis pobrezinhos que sofriam, talvez fome e frio, foram pelo senhor e pela mamãe acolhidos e amparados. Jesus, que é fiel em suas promessas, há de conceder os meios para que um dia consigam a felicidade eterna. E então, ao ouvirem as consoladoras palavras – “Vinde, benditos de meu Pai” – verão realizados os votos de feliz e santa Páscoa, que agora lhes desejo de todo o coração.
O filho sempre grato. CYRO MONTEIRO.”

domingo, 28 de março de 2010

VERMEBILE E FITAFUSO


            Há algum tempo ouvi – da interpretação conjunta dos textos bíblicos “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança e “Amai o próximo como a ti mesmo” - a seguinte conclusão: “Deus nos fez  semelhantes a Ele e, próximos uns dos outros.
            Antonio Carlos Santini escreveu interessante artigo intitulado “Admirar o próximo” – Jornal O Lutador – 1º a 10 de janeiro 2010 – onde faz-nos perceber o quanto é difícil valorizar o irmão que está ao nosso lado, o “próximo mais próximo”. Preferimos admirar o “próximo mais longe”. Ele diz que: “Exatamente por serem distantes, só vemos a aura luminosa que a propaganda nos transmite ao seu respeito. Mesmo quando se revestem de graves fragilidades [...] fechamos os olhos para os seus vícios e defeitos para simplesmente, ad-mirar... Já o nosso próximo... Pobre do nosso próximo.”.
            “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, de C.S. Lewis, da Editora Martins Fontes. O autor imagina as missivas expedidas por um diabo adulto, Fitafuso, a seu sobrinho, Vermebile, ainda um aprendiz na “arte” de tentar e desviar o homem do “Inimigo”. Entenda-se, aqui e onde quer que seja, Deus, por inimigo dos demônios.
            Fitafuso vê o homem como seu “paciente” – como se a bondade, o amor e a fé fossem terríveis doenças a serem curadas – e, também, o “humano” como um ser composto de círculos concêntricos.
            Pois bem. Para corroborar o que disse Santini e reafirmar que Deus nos fez próximos para, sim,  podermos nos amar e nos ajudar, transcrevo abaixo a técnica diabólica ensinada por Fitafuso – o tio diabo - ao inexperiente e atrapalhado Vermebile, para afastar-nos do que realmente interessa:

“O que quer que você faça, sempre haverá alguma benevolência, assim como alguma animosidade, na alma do seu paciente. O melhor a fazer é voltar a animosidade para os semelhantes mais próximos, aqueles que ele encontra todos os dias, e voltar a benevolência para um círculo mais distante, para as pessoas que ele não conhece. Desse modo, a animosidade torna-se completamente real e a benevolência, em grande medida, imaginária. Não há nenhuma vantagem em inflamar o ódio que ele sente pelos alemães se ao mesmo tempo o pernicioso hábito da caridade cresce entre ele e a mãe, o chefe ou o homem que ele encontra no trem. Imagine seu homem como uma série de círculos concêntricos, sendo que o central é a sua vontade, o seguinte o seu intelecto e o exterior a sua fantasia. Não adianta alimentar a esperança de eliminar de todos os círculos tudo aquilo que lembre remotamente o Inimigo (Deus), mas você deve continuar jogando para cada vez mais longe do centro todas as virtudes, até que finalmente fiquem localizadas no círculo da fantasia, e todas as características desejáveis fiquem no círculo da Vontade. Somente quando alcançam a Vontade, e lá se materializam como hábitos, é que as virtudes são fatais para nós.”

            Quem diria, hein?! Não, amigo leitor, o Inferno não é passar a eternidade procurando uma vaga para estacionar no Centro; ou tentando abrir saquinhos plásticos de supermercados. Não. E, não somente com rabos e chifres deveriam ser representados os demônios. Caberia acrescentar um belo terno italiano, sapatos alemães, charuto cubano à boca, óculos pince-nez e, ao fundo, diplomas de graduação, pós-graduação, Mestrado e Doutorado em comportamento humano.
Grande abraço,


Saulo Soares.

MAIO


Não sei se por vaidade,
À beira daquela estrada,
Nasce nestes dias,
Um capim em tom grená.

Que na velocidade,
A paisagem oscilada
É feito uma miragem (pincelada)
Num deserto que não há!

Meados do mês de maio,
Na bela estrada, quem me dera ter você...
Ter assim: como um desmaio de primavera
Num outono que não se vê!

IRMÃOSDADAS



Irmãosdadas sonhamos,
Quisera irmãosdadas iremos,
Tão dados que nem saberemos
Distinguir a minha da sua mão.


Feito Irmão Sol, Irmã Lua, Irmã Luz,
Banhados no mesmo sangue,
Alegres no mesmo peito, pregados à mesma Cruz.

Irmãosdadas seguiremos,
Vez em quando distantes,
Vez em sempre amantes de um mesmo amor infindo.
Filhos de um mesmo ventre,
Flor, fruto, semente,
Rima, imã, irmã.

Irmãosdadas te amo,
Unidos feito siameses.
E, de tanto amor assim sentindo,
Como os dias, bebo os anos,
Respiro os meses.

terça-feira, 16 de março de 2010

A INVISIBILIDADE DO ÓBVIO



É de Nelson Rodrigues a afirmação de que o óbvio é invisível. Dizia isso em relação aos lances claríssimos de falta,  pênalti, cometidos nas barbas do árbitro que, inexplicavelmente, não “via”, não soprava o apito.
            Entretanto, cada um tem sua forma de enxergar as coisas. De Stanislaw Ponte Preta, contam que, em tenebrosas épocas, foi obrigado a se desdizer. Ele afirmara que metade da Câmara era corrupta. Então o fez: “Metade da Câmara não é corrupta.” Vejam só! Desdisse e tudo ficou do mesmo jeito. Um copo está meio cheio ou meio vazio? Depende... da sede.
            Belíssima explicação foi a de um Bispo a um não crente que questionou sobre como, na Eucaristia, poderia estar o Corpo de Cristo, sendo que o corpo era muitas vezes maior que o pedacinho de pão e, de como ele estaria presente tanto neste pedaço de pão como em outro ao mesmo tempo. O Bispo respondeu – como bem sabem fazer os judeus – com outra pergunta: “O que é maior: os olhos ou a paisagem? A pupila e a retina ou aquela montanha? No entanto, a montanha “cabe” dentro dos olhos”. E, sobre a concomitante presença de Cristo em vários pedacinhos de pão, argumentou: Se nos colocarmos diante de vários pedacinhos de espelho, não teremos nossa imagem refletida inteiramente em cada um deles?”.
            Deus, a quem alguns chamam de “acaso”, meus amigos, é o óbvio invisível e ululante. É tão clara a sua presença em nosso meio que chega a ofuscar! O livro da Sabedoria tem páginas belíssimas sobre esse tema: “... pois é a partir da grandeza e beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu autor []... se eles possuíram luz suficiente para perscrutar a ordem do mundo, como não encontraram eles mais facilmente Aquele que é o seu Senhor?” (Sabedoria, 13).
            O que não se vê, mais do que invisível, pode se tornar temido. Talvez, por isso, muitos tenham medo de Deus. Porém, não necessariamente... É atribuída a Joaquim Nabuco a seguinte frase: “A força do desconhecido está em que ele não se presta à comparação.” Deus, invisível, fez-se invisível na pessoa amorosa do Filho. “Senhor, disse-lhe Filipe, mostra-nos o Pai e isto nos basta.” Respondeu Jesus: “Há tanto tempo que estou convosco e não me conheces, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai.” (Jo, 14,8).

            Para fechar com bom humor e, para mostrar que facilmente nossos olhos podem ser levados para longe do foco que realmente interessa (como o mundo pode desviar-nos o olhar de Deus), mais uma do Sr. Stanislaw: Uma velhinha atravessava diariamente a fronteira com um saco de areia na garupa e uma moto. O guarda olhava, vistoriava, abria o saco e nada. Depois de vários dias o policial virou-se para ela e disse: “Sei que a senhora está contrabandeando alguma coisa. Pode me dizer. Não vou prendê-la”. Ela, diante dos insistentes pedidos do oficial, disse: “O senhor não vai mesmo me prender?”. “Não. Pode ficar tranquila. Agora, diga: O que a senhora contrabandeia? Ela respondeu: “Moto”.

NEM POR UM MILHÃO



Dizem que um repórter, ao ver Madre Teresa cuidar das feridas de um mendigo, virou-se para ela e disse: Não faria isso nem por um milhão! Ao que ela, serenamente, respondeu: Nem eu. Magnífica resposta! Daquelas do tipo: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus; ou, ainda: quem não tiver pecado atire a primeira pedra. Emudece o interlocutor, põe um ponto final. Touché!
Fica claro que Madre Teresa não fazia aquilo por dinheiro. Era o amor que a movia. A moeda dos que amam é o amor, pois é ele quem dá valor aos atos. São Paulo nos recorda isto quando assevera: “Se não tivesse amor de nada valeria.”
Creio ter sido uma decisão acertada a escolha do tema “Economia e Vida”, e do lema: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Mt, 6,24), para a Campanha da Fraternidade 2010. Interessante Jesus não colocar como opositor direto a Deus a figura do diabo e, sim, o dinheiro. A forma que Ele escolheu foi muito mais tangível, pontual. Não ficou na esfera etérea e cheia de nuvenzinhas e, sim, na crueza da realidade cotidiana, sem chances para outras interpretações.
Não se trata, aqui, de “demonizar” o Mercado, o dinheiro; embora eles, o consumismo insano e seus sinônimos comparsas, bem que o mereçam. Porém, “divinizá-lo”, nem pensar! Prestar a ele culto? Nunca. Supor que ele tudo resolverá é infantilidade. Que ele é justo: balela. Ele demonstrou-nos muito bem a sua ineficácia e fragilidade de seu modelo (especialmente durante a recente “crise financeira”), sua capacidade em sugar ao esgotamento os recursos naturais, sua incapacidade em repartir, sua extrema competência em poluir e destruir, a voracidade do seu lucro individualizado e de seu prejuízo socializado; sua predileção pelos os que detêm o capital, inversamente ao que se propõe no cristianismo.
Em I Tm 6,10 podemos ler: “... a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro.” Aqui há uma totalidade: todos os males têm como raiz o apego ao dinheiro e tudo o que ele representa, na ambição desmedida, no poder que confere. Por analogia: todo bem tem sua raiz no amor a Deus.
Havia um programa na televisão: Topa tudo por dinheiro. Não sei se ainda existe. Se não na telinha, está plenamente em voga no dia-a-dia, nos conchavos, nas meias e cuecas, nas bolsas de valores, no favorecimento de sentenças, no “Mercado”, nas “alianças”, na má política, nas propinas, nos escritórios.
Certo estava Belchior quando cantou em Paralelas: “... no escritório em que eu trabalho e fico rico, quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor.”
Quem questiona essa prática mercadológica agressiva, visando única e objetivamente o lucro a qualquer custo, sem se importar com o demais, com a justiça social, em detrimento da ética, recebe, em meio a risinhos contidos, a seguinte interrogação-exclamação:“Tem alguma freira aqui?!”. Infelizmente, não. A verdadeira freira estava em Calcutá cuidando das feridas de Jesus presente no pobre. Hoje está no céu. “A quem quereis servir?” (Cfe. Js, 24,15).

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

MANE NOBISCUM DOMINE



Sofrimento e sacrifício. O que os distingue? Certamente, o amor. Salvo engano, foi o Bispo Fulton Sheen o autor desta pertinente observação: sofrimento é a dor sentida por si só, sem amor; sacrifício é a dor vivida e envolvida em pleno amor. Não seria possível a redenção da humanidade se faltasse à missão de Cristo a dimensão do sacrifício, o qual Ele viveu plenamente por amor a nós e, por amor e obediência ao Pai.
No Haiti, diversas cenas nos comoveram e, somente aqueles que trazem uma pedra no peito, não se emocionaram diante de tudo aquilo. Mane Nobiscum Domine: Permanece conosco, Senhor. Esta é a tradução. E Lucas completa: “... pois cai a tarde e do dia já declina” (cf. Lc 24,29). A tarde caiu e o dia declinou em espessas trevas no Haiti.
Em situações trágicas é natural vir à nossa mente algumas pontuais frases bíblicas, tais como: Onde está o teu Deus? Ou ainda: Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste? Estas, pinçadas assim, parecem dar razão e vitória à incredulidade, ao ateísmo e à desesperança. Parecem...
Luis Fernando Veríssimo escreveu uma interessante crônica comparando o “deus” de um religioso americano (que atribuiu a catástrofe Haitiana a um castigo dos Céus), ao Deus solidário de Zilda Arns, Deus esse que, como os seus filhos da Pastoral, acolhe as crianças: “... deixai vir a mim os pequeninos.” Mane Nobiscum Domine.
Quando vi na televisão a imagem da Catedral toda destruída e o Crucifixo em frente, íntegro, preservado, tomei-a para mim como um claro sinal da permanência de Deus a nos dizer: “ Eis que estou convosco todos os dias [...]” (Cf. Mt 28,20). Mane Nobiscum Domine. Ele permanece conosco.
Retomando o raciocínio inicial: como então, fazer, do sofrimento, sacrifício que salva? Derramando sobre toda dor o amor que se solidariza e se compadece. Mane Nobiscum Domine. O Deus, que em nós vive, fica conosco através de nós mesmos e de nosso amor pelos irmãos. Somente assim, encarnada, em vivas tintas, a religião encontra, entre os que aqui estamos, seu sentido maior. Dra. Zilda sabia deste “segredo”. Digo isso pois, outro momento que me impressionou foi, ao fim do Fantástico, ouvir Marília Pêra repetir as palavras do discurso de Zilda no Haiti. Tomo a liberdade de aqui as transcrever:

“Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos” significa trabalhar pela inclusão social, fruto da Justiça; significa não ter preconceitos, aplicar nossos melhores talentos em favor da vida plena, prioritariamente daqueles que mais necessitam. Somar esforços para alcançar os objetivos, servir com humildade e misericórdia, sem perder a própria identidade.
Cremos que essa transformação social exige um investimento máximo de esforços para o desenvolvimento integral das crianças. Este desenvolvimento começa quando a criança se encontra ainda no ventre sagrado da sua mãe. As crianças, quando estão bem cuidadas, são sementes de paz e esperança. Não existe ser humano mais perfeito, mais justo, mais solidário e sem preconceitos que as crianças. Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe dos predadores, ameaças e perigos, e mais perto de Deus, devemos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-los. Muito obrigada! Que Deus esteja com todos! Zilda Arns.

Grande abraço,
Saulo Soares.