segunda-feira, 7 de setembro de 2009

GRAN TORINO



Assisti, dia desses, Gran Torino, com Clint Eastwood. Parece-me que o estilo rabugento do ator, assimilado por interpretar reiteradas vezes personagens com essa característica, nunca lhe caiu tão bem. Não vou dar detalhes, por razões óbvias, porém a estória de um preconceito transformar-se em amizade – apesar de um tanto comum – vale a pena ser vista. E como vale! Aliás, utilizei o verbo “transformar” (transformar em amizade), mas não é o mais correto, penso. Na Igreja aprendemos que o Pão e o Vinho não se “transformam” no Corpo e no Sangue de Jesus. Há uma transubstanciação. Ou seja, há uma mudança na substância e não na forma, como sugere o verbo transformar. E há nisso uma beleza, leveza e profundidade, porque revela que o que mais importa acontece sem que a vista perceba: ocorre na substância e não na aparência.
O mesmo Jesus, em determinado momento diz aos seus discípulos: Já não vos chamo de servos e sim de amigos! Mudança substancial. É como no Pequeno Príncipe: o essencial é invisível aos olhos.
A bem da verdade, quando me sentei para escrever esta crônica, o tema que me apetecia era etimologia. Do quanto as palavras, em seus significados originais, podem nos revelar sobre si próprias e sobre nós mesmos. Lembrei-me da palavra “ingênuo” que, para o senso comum, pode ser sinônimo de bobo, de excessivamente crédulo. Ingênuo quer dizer, etimologicamente, de joelhos. Aquele que se coloca de joelhos. A pessoa que se põe de joelhos se faz menor dos que os que estão em pé. Faz-se... criança. Talvez, por esse motivo, o mesmo Jesus diz que “quem não se fizer como uma criança, não entrará no Reino dos Céus.” Sim, quem não se abaixa, não se torna da estatura de um pequeno, não reconhece estar perto do chão, do húmus (daí a palavra “humano”, “humilde”), não pode enxergar e extasiar-se diante da grandeza e da realeza do Amor, do Reino do Amor.
Gran Torino tem um final fantástico. Um final “ingênuo”. Em meio ao caos de tanta violência gratuita, constrangedora, um final amoroso que decreta o fim de toda rabugice e revela – parêntesis: revelar significa “tirar o véu” - que mesmo sobre a mais triste e carrancuda aparência, sobre o mais roto véu há, definitivamente, uma substância. E que essa pode e deve ser mudada, não obstante o que por fora exista. Joga no lixo a expressão de que a vingança é um prato que se come frio e adverte, como nos anúncios dos Ministérios: Vingança causa indigestão na alma.
Ainda tenho alguns filmes a assistir. Dizem que “O caçador de pipas” e “O menino do pijama listrado” são muito bons. Ainda não os vi. Tem, também, o “Antes de partir”. Estão todos aguardando o Sr. Saulo ter um tempinho. Mas o que realmente importa é saber enxergar o essencial, de natureza invisível, e compreender o que dizem as palavras, mesmo na sua mudez.
Mas como? Enxergar o que não se vê? Ouvir o que não se diz? Sim. E isto somente se dá pela fé. São Paulo nos ensina que a “fé é a posse antecipada de uma realidade que não se vê.”
É preciso ter fé. Acreditar, dar crédito, confiar, arriscar. Crer no bem. Para terminar me lembrei de um outro filme: Indiana Jones e aquela maravilhosa cena do “passo de fé”. Para quem não se recorda ou não viu: um grande abismo e um objetivo separado por ele. Era necessário um passo de fé, dizia o caderninho em suas mãos. E o herói-arqueólogo o dá. Cerra os olhos, “dobra os joelhos” (desta vez para o alto) e pisa... firme! Um caminho de pedras, das mesmas cores e nuanças das paredes do abismo, num fantástico mimetismo, num lance de gênio de tomada da câmera, numa perspectiva até então não compreendida nem experimentada, se revela seguro na direção do que se procurava.
É. O cinema vai além da pipoca e do guaraná. Como vai além quem decide, invertendo a sentença, “crer para ver”.
Grande abraço,
Saulo Soares

2 comentários:

  1. Oi Saulo, gostei muito do seu texto. Nele você sita que pretende assistir ao filme "O caçador de pipas", eu te recomendo não assistir ao filme e sim ler o livro. É uma emoção envolvente e rica em detalhes totalmente fascinante, que o filme não consegue transmitir. A história é belíssima e envolvente, prefira o livro do que o filme.
    O outro filme que você sita, "Antes de partir" é belíssimo também, tem uma história muito envolvente e nos faz rever a vida que levamos, a atuação dos dois atores é sem comentários, é um duelo de gigantes.

    Abraços,

    Bruna Morbeck

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  2. Olá Saulo,
    Como prometi estou fazendo uma visita ao seu blog.
    Gostei muito do texto.
    destaco para minha reflexão:
    "o que mais importa acontece sem que a vista perceba: ocorre na substância e não na aparência".
    "Vingança causa indigestão na alma".
    Grande abraço,
    Alex

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