Raramente se vê na grande mídia posições favoráveis à Igreja, ao cristianismo e à fé. Quando muito, aludem à fé, de uma forma reducionista, como um tipo de terapia ou uma “penicilina de Deus”. Parece-me que a mensagem é: “Sejamos sensatos: crer é bobagem.”
Estranhei, portanto, quando li na capa da Veja – Ed. 2092, às vésperas do Natal, ao lado da foto de uma africana trazendo nos braços seu filho visivelmente subnutrido, a seguinte afirmação do colunista Reinaldo Azevedo: “Precisamos de Cristo não porque os homens se esquecem de ter fé, mas porque, com frequência, eles abandonam a Razão e cedem ao horror.” Fé e Razão, tantas vezes contrapostas, aparecem, nesta significativa frase, como interdependentes e justapostas: excluindo-se Cristo (e a fé N'Ele e D'Ele decorrentes) corre-se o risco de ceder ao horror. Fé e Razão ou, Fides et Ratio, é o título de um documento da Igreja onde se afirma serem elas as duas “asas” necessárias ao pleno “vôo” do conhecimento.
A matéria completa da Veja trata dos horrores acontecidos no Sudão, mais precisamente em Darfur, onde prevalecem, a despeito dos organismos internacionais e entidades de defesa dos direitos humanos, a guerra, o genocídio, a matança selvagem, a fome imposta e os estupros. O repórter - Diogo Schelp - leva-nos à seguinte reflexão: “O mesmo mundo que se apieda de um filhote de urso-polar abandonado pela mãe no zoológico de Berlim fecha os olhos para as centenas de milhares de crianças subnutridas dos 130 campos de refugiados de Darfur.” Não há Lei em Darfur, nem misericórdia, nem esperança ou glória.
Samuel Fuller, autor e diretor do filme “Agonia e Glória” (The Big Red One), participante da Segunda Grande Guerra, afirma que “A verdadeira glória da guerra é sobreviver a ela”. O filme possui cenas memoráveis. Sem dúvida uma delas é a inicial: num cenário devastado, aparentemente só, um sargento americano, baioneta e fuzil em punho é, primeiramente, atacado por um cavalo “ensandecido” (os animais também têm seu comportamento alterado diante de tanta violência) e posteriormente assassina um oficial alemão, apesar de o inimigo pedir-lhe misericórdia e afirmar ter a guerra acabado ( e ela – a guerra – tinha, de fato, terminado). Tudo isso se dá sob a égide de um crucifixo onde o Cristo têm os olhos furados (deles saem insetos), numa clara referência à “cegueira” de Deus diante de tamanhos absurdos. Ora, como disse o repórter, não somos nós precisamente aqueles que fechamos os olhos (fazendo-nos de cegos), diante de tantas injustiças e horrores? Parece-me que se torna mais cômodo e alivia o peso de nossas consciências culpar a Deus por sua “não interveniência just-in-time” em nossa liberdade, do que assumirmos, de fato, nossas mazelas. Ou, como em algumas seitas: põe-se logo a culpa no “encosto”, no “demônio” e lava-se as mãos feito Pilatos. Justamente, nós, que prezamos tanto a liberdade e a temos como valor inegociável e sobre o qual não se transige!
Reinaldo Azevedo, no mesmo artigo do qual se retirou a afirmação da capa, diz: “Em Auschwitz, no Gulag ou em Darfur, vê-se, sem dúvida, a dimensão trágica da liberdade: a escolha do Mal. E isso quer dizer, sim, a renúncia a Deus. Mas também se assiste a dramática renúncia ao homem. Esperavam talvez que se dissesse aqui que o Mal Absoluto decorre da deposição da Cruz em favor de alguma outra crença ou convicção. A piedade cristã certamente se ausentou de todos esses palcos da barbárie. Mas, com ela, entrou em falência a Razão, humana e salvadora.”
Celebrar é tornar célebre. É se lembrar. E recordar é trazer novamente ao coração (re-cordis). A Igreja recorda, celebra, a cada ano os passos de Cristo. Nesses últimos dias celebramos a “Semana Santa”. Dentre os momentos mais importantes e dramáticos encontra-se o julgamento de Cristo. Nas leituras desse dia, há um instante em que todos participam, repetindo o que foi dito há 2.000 anos pela multidão: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Cristo foi julgado e condenado por um injusto tribunal, por um covarde e iníquo juiz.
A humanidade parece não ter mudado muito de lá para cá. Muitos de nós continuamos a esquivar-nos de nossas responsabilidades, passando ao largo do próximo; julgamos e condenamos injustamente Deus, exigindo, publicamente, a crucifixão de quem nos apresenta a solidariedade e o amor como um caminho superior e uma via de santidade.
Não obstante tudo isso, ainda devemos optar pela esperança. Sim, pois como diz a Carta aos Romanos 8,24: “É na esperança que somos salvos”.
Grande abraço, Saulo Soares.
Estranhei, portanto, quando li na capa da Veja – Ed. 2092, às vésperas do Natal, ao lado da foto de uma africana trazendo nos braços seu filho visivelmente subnutrido, a seguinte afirmação do colunista Reinaldo Azevedo: “Precisamos de Cristo não porque os homens se esquecem de ter fé, mas porque, com frequência, eles abandonam a Razão e cedem ao horror.” Fé e Razão, tantas vezes contrapostas, aparecem, nesta significativa frase, como interdependentes e justapostas: excluindo-se Cristo (e a fé N'Ele e D'Ele decorrentes) corre-se o risco de ceder ao horror. Fé e Razão ou, Fides et Ratio, é o título de um documento da Igreja onde se afirma serem elas as duas “asas” necessárias ao pleno “vôo” do conhecimento.
A matéria completa da Veja trata dos horrores acontecidos no Sudão, mais precisamente em Darfur, onde prevalecem, a despeito dos organismos internacionais e entidades de defesa dos direitos humanos, a guerra, o genocídio, a matança selvagem, a fome imposta e os estupros. O repórter - Diogo Schelp - leva-nos à seguinte reflexão: “O mesmo mundo que se apieda de um filhote de urso-polar abandonado pela mãe no zoológico de Berlim fecha os olhos para as centenas de milhares de crianças subnutridas dos 130 campos de refugiados de Darfur.” Não há Lei em Darfur, nem misericórdia, nem esperança ou glória.
Samuel Fuller, autor e diretor do filme “Agonia e Glória” (The Big Red One), participante da Segunda Grande Guerra, afirma que “A verdadeira glória da guerra é sobreviver a ela”. O filme possui cenas memoráveis. Sem dúvida uma delas é a inicial: num cenário devastado, aparentemente só, um sargento americano, baioneta e fuzil em punho é, primeiramente, atacado por um cavalo “ensandecido” (os animais também têm seu comportamento alterado diante de tanta violência) e posteriormente assassina um oficial alemão, apesar de o inimigo pedir-lhe misericórdia e afirmar ter a guerra acabado ( e ela – a guerra – tinha, de fato, terminado). Tudo isso se dá sob a égide de um crucifixo onde o Cristo têm os olhos furados (deles saem insetos), numa clara referência à “cegueira” de Deus diante de tamanhos absurdos. Ora, como disse o repórter, não somos nós precisamente aqueles que fechamos os olhos (fazendo-nos de cegos), diante de tantas injustiças e horrores? Parece-me que se torna mais cômodo e alivia o peso de nossas consciências culpar a Deus por sua “não interveniência just-in-time” em nossa liberdade, do que assumirmos, de fato, nossas mazelas. Ou, como em algumas seitas: põe-se logo a culpa no “encosto”, no “demônio” e lava-se as mãos feito Pilatos. Justamente, nós, que prezamos tanto a liberdade e a temos como valor inegociável e sobre o qual não se transige!
Reinaldo Azevedo, no mesmo artigo do qual se retirou a afirmação da capa, diz: “Em Auschwitz, no Gulag ou em Darfur, vê-se, sem dúvida, a dimensão trágica da liberdade: a escolha do Mal. E isso quer dizer, sim, a renúncia a Deus. Mas também se assiste a dramática renúncia ao homem. Esperavam talvez que se dissesse aqui que o Mal Absoluto decorre da deposição da Cruz em favor de alguma outra crença ou convicção. A piedade cristã certamente se ausentou de todos esses palcos da barbárie. Mas, com ela, entrou em falência a Razão, humana e salvadora.”
Celebrar é tornar célebre. É se lembrar. E recordar é trazer novamente ao coração (re-cordis). A Igreja recorda, celebra, a cada ano os passos de Cristo. Nesses últimos dias celebramos a “Semana Santa”. Dentre os momentos mais importantes e dramáticos encontra-se o julgamento de Cristo. Nas leituras desse dia, há um instante em que todos participam, repetindo o que foi dito há 2.000 anos pela multidão: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Cristo foi julgado e condenado por um injusto tribunal, por um covarde e iníquo juiz.
A humanidade parece não ter mudado muito de lá para cá. Muitos de nós continuamos a esquivar-nos de nossas responsabilidades, passando ao largo do próximo; julgamos e condenamos injustamente Deus, exigindo, publicamente, a crucifixão de quem nos apresenta a solidariedade e o amor como um caminho superior e uma via de santidade.
Não obstante tudo isso, ainda devemos optar pela esperança. Sim, pois como diz a Carta aos Romanos 8,24: “É na esperança que somos salvos”.
Grande abraço, Saulo Soares.
Fantastico esse texto primo!
ResponderExcluirExcelente, meu amigo... o texto é muito interessante e mais que isso >>> realístico...
ResponderExcluirideal para abrir os olhos de muitos cegos [o pior cego é aquele que não quer ver]
e sabemos que a cegueira espiritual está grassando hodierna e mundialmente...
Um forte abraço....
Olá Saulo,
ResponderExcluirParabéns pelo texto!
Creio que o caos instalado e crescente no planeta, tem a ver sim com a fé. Quando Paulo escreve aos Romanos, diz que a disposição mental do ser que despreza o conhecimento de Deus, é reprovável. Tiago nos ensina que a fé sem obras é morta. Portanto, o caos tem a ver com a ação e omissão. Tem a ver com fé (verdadeira e falsa) e disposição mental.
abraço
Belíssimo texto e reflexão, Saulo. Muitas vezes a figura de Cristo parece utópica e apenas simbólica e distante, mas podemos fazer muito mais; aliás, se fazemos alguma coisa, não é? Podemos tornar o mundo bem melhor com pequenas coisas, mas creio que, com esse modelo de vida pelo qual vivemos está difícil. Esse modelo se sustenta pelo consumismo, imediatismo, inversão de valores e pelos relacionamentos líquidos, como bem diz Z. Bauman - um grande sociólogo polonês. Forte abraço.
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